A pobreza e a desigualdade
social no Brasil têm raízes históricas no movimento imperialista europeu, suas
teorias racistas e xenofóbicas de superioridade e espírito explorador. Os
anseios pela propriedade privada, pelo acúmulo de riquezas e bens de consumo
foram naturalmente instituídos nas sementes do sistema econômico cuja palavra
de ordem é consumir e acumular.
O critério de felicidade no
mundo moderno é ancorado nos padrões consumistas irracional, logo, conquistar
mecanismos de geração de renda, padrões elevados de vida e aquisições é a
receita do sucesso.
Nesta lógica o “sucesso”
é consequência da busca individual, ou seja, o aparato retórico da meritocracia
nos diz “se você quer você consegue, lute, seja determinado, e se você fracassou
o único e exclusivo responsável é você”.
A Psicologia, a Filosofia, as Ciências Humanas
e Sociais em geral, nos confrontam a
ampliar nossas consciências e perceber-se como seres entrelaçados numa teia
social em que aspectos históricos, econômicos, políticos marcam nossas
travessias.
Quais questionamentos podemos
nos fazer com esta análise? Embora, nossa parcela de responsabilidade implique
em empreender esforços, estudar, etc., somos cortados, atravessados por engrenagens
de exclusão, machismo, intolerância, racismo, pobreza e desigualdade. Vamos
manter o negacionismo da ciência historiográfica e a naturalização desta engrenagem? Estamos prontos para
esta conversa?
Parto desta reflexão para aguçar análises, diálogos, que talvez, para alguns seja ofensivo, ou até mesmo perturbador, pelo menos, na minha cabeça é inquietante.
Caridade
é sinônimo de justiça social?
Segundo dados publicados
pelo IBGE, em 2019, a extrema pobreza subiu no Brasil e já somava 13,5
milhões de pessoas sobrevivendo com até 145 reais mensais. A estatística de
miseráveis é crescente desde 2015, invertendo a curva descendente da miséria
dos anos anteriores.
O nosso país é conhecido
como um país da caridade. A filantropia no Brasil é um traço naturalístico,
entretanto, atrelado ao movimento filantrópico é mínimo ou quase inexistente o
ativismo e a luta por justiça social e distributiva.
A falácia da caridade, da
partilha em muitas circunstâncias resume-se a atitude egocêntrica que leva
muitos de nós a crer que doando alimentos, vestimentas que não usamos ou
cobertores aos menos favorecidos, pobres e mieráveis é um modo de aplacar vazio
interior ou compensar os egos da assumida classe média que doa uma cesta básica,
acumula no closet os cem pares de sapatos, e sente-se confortável por cumprir a
obrigação de ajudar os mais pobres sem precisar tocar nos estamentos da pirâmide
social e do seu status quo, já que
olhar de cima para baixo sempre foi historicamente confortável, a escravidão,
por exemplo, é naturalizada em muitos discursos.
Sim, praticar a caridade,
dividir e partilhar são atitudes importantes, contudo, é preciso indignar-se
com um sistema econômico e político que nega garantias e direitos fundamentais
ao menos favorecidos. É preciso fazer caridade e posicionar-se frente às
questões sociais que reproduzem a pobreza e a desigualdade.
A Pandemia do COVID19 em
2020 convoca a humanidade a repensar as formas de exploração dos recursos
naturais. O número de mortos decorrente da contaminação é maior entre negros e
pobres, em virtude das condições insalubres de sobrevivência, da
vulnerabilidade das favelas, da falta de moradia digna e saneamento básico.
A caridade é amplamente
relevante e necessária, mas não basta. É preciso levantar a bandeira de luta e
exigir políticas públicas que assegure equidade entre os povos. Requerer dos
banqueiros novos paradigmas econômicos e limitar os juros abusivos. Cobrar maiores
impostos de quem mais possui e acumulam riquezas, por outro lado oferecer a
classe trabalhadora condições mais justas e equilibradas para o uso do crédito.
É urgente a necessidade de
repensar esta logística de consumo e esse padrão de felicidade alicerçada no
consumismo irracional e da caridade amaciadora de egos. Ou inauguramos um novo
modelo de civilização ou vamos sucumbir na barbárie nossa de cada dia.
Por um mundo equitativamente
justo, façamos caridade, mas, não vamos nos omitir da luta por cidadania e
dignidade. “Qual é a nossa parcela de responsabilidade nesta desordem que tanto
nos queixamos?“
Fabiana C. Moura
Pedagoga, Neuropsicopedagoga,
Mestra em Educação Científica,
Especialista em Direitos Humanos e Democracia