segunda-feira, 16 de agosto de 2021

“Mulheres e Mães Nas Ciências em Escrevivências”

 

        Fonte da imagem: https://www.instagram.com/p/CSagf7Lnkxh/

Viver é travessia, trago esta fala como máxima existencial. Após escutar a  Doutora Bianca Santana na Roda de Conversa  do Grupo de Estudos e Pesquisas Oju Obìnirín, que em idioma iroubá significa Olho de Mulher, passei a semana com uma voz na cabeça dizendo: escreva! Aqui estou.

O Observatório de Mulheres Negras é um quilombo em convergências de fé, força, coragem, acolhimento.  Um coletivo tecido por afetos, pesquisas, costuras infinitas, coordenado pela Doutora Núbia Regina Moreira e a Doutora Francislene Cerqueira.

Na terça -feira, 10 de agosto, aconteceu A Roda de Conversa Pensar, Sentir, Viver, Escrever, Fazer, Divulgar a Pesquisa com a apresentação “Escavações e Escrevivências das Memórias de Mulheres Negras” com a pesquisadora, jornalista, escritora Bianca que me permitiu uma reconexão com minhas ancestralidades de um modo mais profundo, reconectei-me com memórias e cicatrizes. Com uma enorme, transcendental diferença, não mais no lugar da dor, mas, da potência da escrita de Mulheres que desde 2015 me lançaram numa jornada de autoconhecimento e autocura. Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, bell hooks, Chimamanda, Núbia Regina, Sulei Carneiro dentre outras me reconstruíram num processo de autopercepção e sobretudo, em literalmente “ Me descobri negra”          lendo Bianca Santana. 

  Após devorar a Obra Vozes insurgentes de mulheres negras (https://biancasantana.info/livros/) indicado pela Bianca na roda eu decidi compartilhar um recorte da minha vida, que talvez, seja farol na vida de outras.  Quem já passou aqui pelo Blogue Travessias ou me conhece de perto sabe que estou na educação desde 1999. Na verdade, em 1997, quando inicio o Magistério de Nível Médio, no antigo Instituto de Educação Regis Pacheco, aos 17 anos de idade, dei início a jornada pela profissão docente.

 A primeira experiência como regente de uma sala de aula aconteceu aos 18 anos numa classe de Educação de Jovens e Adultos, a mesma turma que fiz o estágio de conclusão do curso, vocês podem imaginar qual era a cor/etnia da maioria dos alunos dessa turma? Me lembro como hoje, homens e mulheres negras em sua maioria. Em 2003 quando pensava em cursar Direito ou Ciências Biológicas, cursos elitizados no contexto de 2002, a realidade bateu em minha porta e lendo o Manual do Candidato da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), na agência dos Correios, eu decidi fazer vestibular para o curso de Pedagogia. A descrição do curso moveu inquietações dentro da minha cabeça, algo me dizia que era o percurso a ser trilhado.

No decorrer da minha formação as leituras, as discussões e a própria identidade do curso evidenciava a formação para atuar na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na função de Coordenadora Pedagógica como descrito o no manual do candidato.  

Depois de concluir o Magistério, também durante a licenciatura atuei em na rede privada como professora alfabetizadora e em instituições não-formais como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Em 2007, prestei concurso público para Rede Municipal de Poções e fui aprovada.

Ministrei aulas na Educação Infantil, Ensino Fundamental, classes multisseriadas etc. Na Educação do Campo atuei como Educadora Ambiental no Programa Despertar, este projeto em Educação Ambiental me rendeu uma “paixão” profunda pelo campo, pela zona rural, por aquela comunidade em Poções, o Assentamento Jabuti. Me entreguei ao ponto de fazer uma especialização na área de Educação Ambiental, fui contemplada em 2011 com premiação em primeiro lugar com a melhor experiência pedagógica no município pelo Programa Despertar, acabei doando o prêmio para a associação da comunidade do Jabuti. Em 2014 conclui a especialização em Direitos Humanos e Democracia na UESB-Jequié.

Em 2012, ensinando Ciências numa turma da Educação de Jovens e Adultos, me deparo com questões que me atravessaram e fiquei grávida do meu objeto de estudo. Aliás, literalmente grávida, em 2012 e 2013, enfrentei duas gestações sem sucesso, os filhos ou filhas que ainda não conheci não nasceram e o mestrado também não. Resumo da ópera, não fui aprovada nas quatro tentativas.

Em 2014, quando descubro que tinha cálculos na vesícula biliar na emergência de um hospital em Feira de Santana,  em seguida, prestes a passar pela cirurgia de retirada do órgão descubro que estava duplamente grávida: de Júlia minha filha mais velha e do meu objeto de pesquisa que começou a tomar alguns delineamentos depois que ingressei como aluna especial no Programa de Educação Científica e Formação de Professores da UESB-Jequié em 2013, na disciplina Análises de Dados Qualitativos com o Professor Doutor Bruno Ferreira.

Em 2014 passei pela seleção, fui aprovada, no mesmo mês em que saiu o resultado, Júlia nasceu.  Após o parto passei a ter crises semanais por conta dos cálculos na vesícula biliar que provocou coledocolitíase, ou seja, obstrução do colédoco, pancreatite, internamento, cirurgia de emergência e a bile drenada em um recipiente com um cateter enfiado no colédoco. Neste estado, fui fazer a matrícula no mestrado. Estava usando o dreno ainda e minha irmã caçula, Andreia me acompanhou segurando o recipiente, ao mesmo tempo mainha, Dona Zenaide, uma mulher preta infinita olhava a neta pequena. E o marido, o pai preto trabalhava.  Neste ensejo eu já começava a trocar e-mails com a professora Doutora Daisi Teresinha Chapani, minha orientadora. 

Em março, retirei o dreno que me rendeu mais uma semana de internamento em um Hospital em Jequié, que por sinal, se não fosse a teimosia do médico em me internar eu não estaria viva para escrever este texto. O pâncreas, fígado estavam detonados por conta da bile vazada na retirada do dreno. O susto foi grande, mas, nos recuperamos. Então, me lancei na jornada dupla de cuidar das duas crias, o mestrado e a pequena Júlia, minha jujuba.

Segui em frente, cursei as disciplinas, fiz estágio de docência no Ensino Superior, realizei a coleta de dados, consegui um trampo como assessora pedagógica numa Instituição de Ensino Superior privada, fui chamada numa seleção para dar aulas na rede estadual, entre a sobrevivência, comida no prato, saúde e formação, “nós damos nossos pulos”.

Nós maternamos em redes, ninguém materna sozinha, assim como ninguém aprende só nesta vida.  Eu mesma não sabia direito o que era ser mãe, aprendi na prática, assim como sigo aprendendo que  ser uma pesquisadora numa sociedade racista, machista, patriarcal, capacitista e excludente, para a mulher preta,  ser mãe e fazer pesquisa, trabalhar, dar conta dos boletos,da sobrevivência, autocuidado e de viver, é babado, só acontece mesmo nos aquilombando.

 Foi assim, titubeando, errando, cometendo deslizes, tropeçando, me levantando, afetando e sendo afetada, qualifiquei-me em setembro de 2016, defendi em maio de 2017, sou grata a Professora Daisi pela orientação, o suporte, os conselhos, puxões de orelha, pelas aprendizagens.

Em 2018 nasceu minha segunda filha, Maria Luiza, hoje com 03 anos. No mesmo ano fui aprovada no Concurso Público para Coordenação Pedagógica na Rede Estadual, desde 23 de janeiro de 2019 até o dia de hoje estou coordenadora no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Cotrim em Jequié.

Em 2020 o universo me reaproximou de Karla Carvalho numa belíssima campanha política para o Legislativo Municipal em Jequié com o projeto Cidade Leitora, Sustentável e Diversa. Nasceu no coração de “Karlinha”, nos trilhos das rodas de leitura no Barro Preto, na Rua da Linha, o Coletivo Mulheres da Linha.

Seguimos na travessia, mulheres de mãos dadas em redes de solidariedade política, empoderando-nos na coletividade.  Como diz Juliana Gonçalves “ É insurgente toda aquela que se revolta contra um poder estabelecido. E, quando se trata de mulheres pretas, toda insurgência é um ato revolucionário.” O que nos move como feministas, mulheristas ou ecofeministas: o sonho de um mundo mais justo, equânime e inclusivo para todas as pessoas. Por isso lutamos. #feminismoparaas99

O que desejo hoje como mãe, mulher negra, me aventurando pelos territórios sagrados da pesquisa, é traçar novos rumos no encontro com a diversidade de história de mulheres negras nas ciências, principalmente na minha universidade, minha UESB, minha casa. O desejo pela pesquisa com narrativas autobiográfica, memórias, história oral me arrebata desde que fui recebida em 2018 no grupo de Estudos e Pesquisas Impressões coordenado pela professora  Doutora Talamira Taita, e também lendo as obras do Doutor Eliseu Clementino.   

Minha prece! Que a matripotência sagrada acolha meu desejo.  

Fabiana Moura, mãe, mulher preta, pesquisadora, professora, sonhadora, desejante.

Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/8126947849354716

 


 


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