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Viver é travessia, trago
esta fala como máxima existencial. Após escutar a Doutora Bianca Santana na Roda de Conversa do Grupo de Estudos e Pesquisas Oju Obìnirín,
que em idioma iroubá significa Olho de Mulher, passei a semana com uma voz na
cabeça dizendo: escreva! Aqui estou.
O Observatório de Mulheres
Negras é um quilombo em convergências de fé, força, coragem, acolhimento. Um coletivo tecido por afetos, pesquisas, costuras infinitas, coordenado pela Doutora Núbia Regina
Moreira e a Doutora Francislene Cerqueira.
Na terça -feira, 10 de
agosto, aconteceu A Roda de Conversa Pensar, Sentir, Viver, Escrever, Fazer,
Divulgar a Pesquisa com a apresentação “Escavações e Escrevivências das Memórias
de Mulheres Negras” com a pesquisadora, jornalista, escritora Bianca que me
permitiu uma reconexão com minhas ancestralidades de um modo mais profundo, reconectei-me com memórias e cicatrizes. Com uma enorme,
transcendental diferença, não mais no lugar da dor, mas, da potência da escrita
de Mulheres que desde 2015 me lançaram numa jornada de autoconhecimento e
autocura. Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, bell hooks, Chimamanda,
Núbia Regina, Sulei Carneiro dentre outras me reconstruíram num processo de
autopercepção e sobretudo, em literalmente “ Me descobri negra” lendo Bianca Santana.
Após devorar
a Obra Vozes insurgentes de mulheres negras (https://biancasantana.info/livros/)
indicado pela Bianca na roda eu decidi compartilhar um recorte da minha vida,
que talvez, seja farol na vida de outras. Quem já passou aqui pelo Blogue Travessias ou
me conhece de perto sabe que estou na educação desde 1999. Na verdade, em 1997,
quando inicio o Magistério de Nível Médio, no antigo Instituto de Educação
Regis Pacheco, aos 17 anos de idade, dei início a jornada pela profissão docente.
A primeira experiência como regente de uma
sala de aula aconteceu aos 18 anos numa classe de Educação de Jovens e Adultos,
a mesma turma que fiz o estágio de conclusão do curso, vocês podem imaginar qual era a cor/etnia da maioria dos alunos dessa turma? Me lembro como hoje, homens e mulheres negras em sua maioria. Em 2003 quando pensava
em cursar Direito ou Ciências Biológicas, cursos elitizados no contexto de 2002,
a realidade bateu em minha porta e lendo o Manual do Candidato da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), na agência dos Correios, eu decidi fazer
vestibular para o curso de Pedagogia. A descrição do curso moveu inquietações
dentro da minha cabeça, algo me dizia que era o percurso a ser trilhado.
No decorrer da minha
formação as leituras, as discussões e a própria identidade do curso evidenciava a formação para atuar na Educação Infantil,
nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na função de Coordenadora Pedagógica como descrito o no manual do candidato.
Depois de concluir o
Magistério, também durante a licenciatura atuei em na rede privada como
professora alfabetizadora e em instituições não-formais como o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil. Em 2007, prestei concurso público para Rede
Municipal de Poções e fui aprovada.
Ministrei aulas na
Educação Infantil, Ensino Fundamental, classes multisseriadas etc. Na Educação
do Campo atuei como Educadora Ambiental no Programa Despertar, este projeto em
Educação Ambiental me rendeu uma “paixão” profunda pelo campo, pela zona rural,
por aquela comunidade em Poções, o Assentamento Jabuti. Me entreguei ao ponto
de fazer uma especialização na área de Educação Ambiental, fui contemplada em
2011 com premiação em primeiro lugar com a melhor experiência pedagógica no
município pelo Programa Despertar, acabei doando o prêmio para a associação da
comunidade do Jabuti. Em 2014 conclui a especialização em Direitos Humanos e
Democracia na UESB-Jequié.
Em 2012, ensinando
Ciências numa turma da Educação de Jovens e Adultos, me deparo com questões que
me atravessaram e fiquei grávida do meu objeto de estudo. Aliás, literalmente
grávida, em 2012 e 2013, enfrentei duas gestações sem sucesso, os filhos ou
filhas que ainda não conheci não nasceram e o mestrado também não. Resumo da
ópera, não fui aprovada nas quatro tentativas.
Em 2014, quando descubro
que tinha cálculos na vesícula biliar na emergência de um hospital em Feira de
Santana, em seguida, prestes a passar
pela cirurgia de retirada do órgão descubro que estava duplamente grávida: de
Júlia minha filha mais velha e do meu objeto de pesquisa que começou a tomar
alguns delineamentos depois que ingressei como aluna especial no Programa de
Educação Científica e Formação de Professores da UESB-Jequié em 2013, na
disciplina Análises de Dados Qualitativos com o Professor Doutor Bruno Ferreira.
Em 2014 passei pela
seleção, fui aprovada, no mesmo mês em que saiu o resultado, Júlia nasceu. Após o parto passei a ter crises semanais por
conta dos cálculos na vesícula biliar que provocou coledocolitíase, ou seja,
obstrução do colédoco, pancreatite, internamento, cirurgia de emergência e a
bile drenada em um recipiente com um cateter enfiado no colédoco. Neste estado,
fui fazer a matrícula no mestrado. Estava usando o dreno ainda e minha irmã
caçula, Andreia me acompanhou segurando o recipiente, ao mesmo tempo mainha,
Dona Zenaide, uma mulher preta infinita olhava a neta pequena. E o marido, o
pai preto trabalhava. Neste ensejo eu já
começava a trocar e-mails com a professora Doutora Daisi Teresinha Chapani,
minha orientadora.
Em
março, retirei o dreno que me rendeu mais uma semana de internamento em um
Hospital em Jequié, que por sinal, se não fosse a teimosia do médico em me
internar eu não estaria viva para escrever este texto. O pâncreas, fígado
estavam detonados por conta da bile vazada na retirada do dreno. O susto foi
grande, mas, nos recuperamos. Então, me lancei na jornada dupla de cuidar das
duas crias, o mestrado e a pequena Júlia, minha jujuba.
Segui em frente, cursei as
disciplinas, fiz estágio de docência no Ensino Superior, realizei a coleta de
dados, consegui um trampo como assessora pedagógica numa Instituição de Ensino
Superior privada, fui chamada numa seleção para dar aulas na rede estadual, entre
a sobrevivência, comida no prato, saúde e formação, “nós damos nossos pulos”.
Nós maternamos em redes, ninguém
materna sozinha, assim como ninguém aprende só nesta vida. Eu mesma não sabia direito o que era ser mãe,
aprendi na prática, assim como sigo aprendendo que ser uma pesquisadora numa sociedade racista, machista,
patriarcal, capacitista e excludente, para a mulher preta, ser mãe e fazer pesquisa, trabalhar, dar conta
dos boletos,da sobrevivência, autocuidado e de viver, é babado, só acontece
mesmo nos aquilombando.
Foi assim, titubeando, errando, cometendo
deslizes, tropeçando, me levantando, afetando e sendo afetada, qualifiquei-me
em setembro de 2016, defendi em maio de 2017, sou grata a Professora Daisi pela
orientação, o suporte, os conselhos, puxões de orelha, pelas aprendizagens.
Em 2018 nasceu minha
segunda filha, Maria Luiza, hoje com 03 anos. No mesmo ano fui aprovada no
Concurso Público para Coordenação Pedagógica na Rede Estadual, desde 23 de
janeiro de 2019 até o dia de hoje estou coordenadora no Colégio da Polícia
Militar Professor Poeta Luís Cotrim em Jequié.
Em 2020 o universo me reaproximou
de Karla Carvalho numa belíssima campanha política para o Legislativo Municipal
em Jequié com o projeto Cidade Leitora, Sustentável e Diversa. Nasceu no
coração de “Karlinha”, nos trilhos das rodas de leitura no Barro Preto, na Rua
da Linha, o Coletivo Mulheres da Linha.
Seguimos na travessia, mulheres
de mãos dadas em redes de solidariedade política, empoderando-nos na
coletividade. Como diz Juliana Gonçalves
“ É insurgente toda aquela que se revolta contra um poder estabelecido. E,
quando se trata de mulheres pretas, toda insurgência é um ato revolucionário.” O
que nos move como feministas, mulheristas ou ecofeministas: o sonho de um mundo
mais justo, equânime e inclusivo para todas as pessoas. Por isso lutamos. #feminismoparaas99
O que desejo hoje como
mãe, mulher negra, me aventurando pelos territórios sagrados da pesquisa, é traçar
novos rumos no encontro com a diversidade de história de mulheres negras nas
ciências, principalmente na minha universidade, minha UESB, minha casa. O
desejo pela pesquisa com narrativas autobiográfica, memórias, história oral me arrebata
desde que fui recebida em 2018 no grupo de Estudos e Pesquisas Impressões
coordenado pela professora Doutora Talamira
Taita, e também lendo as obras do Doutor Eliseu Clementino.
Minha prece! Que a
matripotência sagrada acolha meu desejo.
Fabiana Moura, mãe, mulher
preta, pesquisadora, professora, sonhadora, desejante.
Endereço para acessar CV:
http://lattes.cnpq.br/8126947849354716
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