domingo, 19 de julho de 2020

Travessias: O Centro de Abastecimento Vicente Grilo


Fonte: Arquivos de pesquisa (2010)

Em todo o transcurso da história da humanidade, com o evoluir da ciência e da tecnologia, a divisão social do trabalho consolidamos novas formas de habitar, comer, vestir-se, enfim a forma de existir da humanidade registrou mudanças cada vez mais impressionantes que marcam a sua existência, com uma diversidade de origens, saberes, pensamentos e culturas bem distintas. Confrontados pela necessidade de se alimentar e proteger-se dos fenômenos naturais como chuvas, tempestades os seres humano sentiram que precisavam viver em cooperação, em sociedade.

A historiografia destaca o surgimento da escrita e a instituição da propriedade privada como elementos fundamentais na construção da lógica civilizatória do mundo ocidental, principalmente no instante em que o homem torna-se sedentário e agricultor. Assim a sociedade organiza-se verticalmente, cria-se um estado proprietário de terras e líderes, iniciando uma espécie de submissão, registrada inicialmente por diversos historiadores como espécie de servidão coletiva.

A feira é um espaço que carrega, a princípio, a competência de desenvolver atividades puramente econômicas, de subsistência das famílias, entretanto, no curso da história, com a evolução da agricultura e do comércio, as feiras são estabelecidas e consolidadas como artefato  cultural. As feiras livres são modelos primários de comercialização de produtos desde o simples escambo, troca de mercadorias, ao mais variado comércio.  


     Fonte: Arquivos de pesquisa (2010)

A feira livre é um dos modelos mais antigos de comercialização de produtos que resiste e persiste em pleno século XXI.

As feiras nasceram demanda natural de um espaço que reunisse todos os produtos necessários ao consumo; é neste contexto de trocas e de diversidade que um modo próprio de comprar e vender faz da feira-livre um ponto de encontros, de trocas, de conversas, petiscos e para muitas pessoas, é curativo.

A feira-livre em minha vida é uma travessia que marca minha existência. Aos 11 anos de idade nossa família enfrentava muitas dificuldades financeiras. Meu pai era artesão, autônomo e estava doente, não tinha nenhuma seguridade social, e logo, ficamos praticamente sem renda. A nossa vizinha Dona Maria, quem aprendi chamar de Baía quando bem pequenina, por não conseguir falar Maria que nos deixou em 2014 para seguir para o plano celestial, ela assim é em nossa família, uma mãe, uma companheira de lutas, daquelas Marias que impulsionam outras  Marias a construir seu caminho, por ela e tantas outras Marias em minha vida, dei a uma das minhas filhas o nome de Maria. Ela era feirante, e levou a minha mãe para trabalhar com ela. Naquela sexta-feira minha mãe enfrentou os preconceitos, os olhares e opiniões contrárias, inclusive do meu pai, e lá fomos para a feira, comercializar cafezinho, pão, mingau de milho verde, mungunzá etc. o melhor cuscuz deste mundo, pelas mãos de  Dona Zenaide.

Firmamos-nos na feira, conquistamos não apenas uma freguesia, mas cultivamos amizades e construímos uma família. Em 1999, meu pai faleceu. A feira nos abraçou e nos acolheu como uma família faz. Nesta época conclui o magistério e senti que precisava prosseguir, no ano 2000 comecei trabalhar, mas continuei na feira aos sábados, buscava uma oportunidade na educação, até que substituindo uma professora amiga, numa escola particular, surgiu a oportunidade no ano seguinte, e de 2001 a 2004 a Escola Vamos Aprender foi a primeira oportunidade.

O Centro de Abastecimento Vicente Grilo foi uma grande escola na minha vida.

Hoje a minha irmã caçula Andreia, continua trabalhando, a Lanchonete Árvore da Vida continua no mesmo lugar. Dona Zenaide ainda faz o cuscuz de puba, o mingau de milho-verde mais delicioso, o arroz doce que é um manjar dos deuses e a farofinha de carne com café que tem um toque especial.

Escrever sobre o Centro de Abastecimento Vicente Grilo é resgatar minha própria história. Tenho esperança que o poder público revitalize a feira e implante um sistema de gestão socioambiental em parceria com a Cooperativa de Catadores de Material reciclável de Jequié.

Meu sonho é um dia poder olhar para a o CEAVIG como um espaço gerador de renda sustentável, comprometido com o cuidado com o meio ambiente e um vetor de manifestações culturais e integração de pessoas.

Jequié merece uma feira-livre que congregue sua identidade, sua história. O CEAVIG em Jequié é uma escola onde aprendi os maiores e melhores ensinamentos da minha vida.

 

 Fonte: Arquivos de pesquisa (2010)

Fotografias ( Jornalista Alan Leal) 

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