Augusto César, O Cientista que Quis Ser Poeta
Augusto é um menino nascido e criado
na Fazenda Grande em Salvador. Na infância vivia assustando sua avó, Dona
Preta, com suas artimanhas e peraltices. Era um tal de subir em árvores,
comer goiaba bichada, tomar banho de rio, lago e lagoa, deixava os fios de
cabelos brancos da avó em pé.
Augusto não conheceu a
mãe. Célia morreu logo após o parto. Teve pneumonia, depressão
pós-parto, anemia e desnutrição. Foi muito difícil carregar a gravidez
durante os nove meses, porque eu já estava muito debilitada quando engravidou.
Dona Anésia, conhecida como Dona
Preta no Retiro, Liberdade e Fazenda Grande, passou a viver entre o trabalho
como diarista e em casa. Foi muito triste perder sua única
filha. Criar Augusto César foi o que preencheu a alma de esperança e
força.
Augusto César começou a frequentar a
escola aos cinco anos. Dona Preta trabalhava como diarista,
ganhava um salário-mínimo, custa caro sobreviver, mas ela seguia firme. Fazia
cocada, tapioca, bolo de milho e um caldo de abóbora que era conhecido na
comunidade. O lucro oriundo dos quitutes, era usado no sustento da casa e
investido nos estudos de Augusto.
O menino peralta sempre gostou de
escrever, mas os seus olhos saltavam com brilho especial na escola durante as
aulas de Ciências do seu Mestre. O Professor Doutor André, homem branco,
nascido e criado na periferia do Rio de Janeiro, muito consciente dos
privilégios da sua cor e atento aos jovens pretos , valorizava a curiosidade da
garotada.
No Ensino Médio Augusto César
resolveu participar de um concurso de poesia na escola que estudava. O
Colégio Estadual era próximo de sua comunidade e ele começou a sentir prazer em
escrever sobre as histórias do Retiro, da Liberdade, do Largo do Tanque, o
concurso lhe rendeu uma premiação e bolsa de estudos no pré-vestibular.
Se inscreveu para a Faculdade de
Medicina, mas não foi aprovado com a nota obtida no Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), então decidiu cursar Biologia no Instituto de Biologia da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, conseguiu um emprego e assim
garantiu seu sustento e de sua avó, Dona Preta.
O caderno com as páginas amarelas e
seus textos escritos a lápis, foi guardado numa caixa em cima do velho guarda-roupa. Augusto
concluiu sua graduação, em seguida, foi aprovado para o Mestrado em
Biodiversidade e Evolução. Não foi fácil conciliar os estudos e a rotina de
trabalho numa barbearia. No final do Mestrado com o dinheiro
economizado, Augusto resolveu realizar um sonho antigo de Dona Anésia. Foram
conhecer a mãe África. Era sonho de infância de sua avó pisar no solo de
Angola. A bisavó de Augusto deixou as histórias angolanas gravadas na
memória e no coração da pretinha Anésia, ainda na infância, as histórias ancestrais e de
seus antepassados.
Ao voltar da viagem a Augusto se
inscreveu no concurso público para professor efetivo do mesmo Instituto de
Biologia que o formou e foi aprovado. Durante uma viagem da Universidade,
conheceu a jovem Luanda, anos depois os dois resolverem morar juntos.
Com muito trabalho e economias do
casal, conseguiram comprar uma casa maior e realizar o sonho de morar na Barra,
Augusto, Luanda e Anésia se mudaram.
Na organização da bagagem, Dona Preta
encontrou o caderno amarelo e empoeirado de Augusto César. No momento em
que ele abriu o caderno, leu seus próprios textos depois de mais de doze anos, em voz alta, riu bastante, chorou emocionado e mostrou a Luanda, mulher negra, pedagoga,
professora dos anos iniciais, escritora de livros infantis... ela ficou
perplexa com a riqueza dos escritos de Augusto César e insistiu para que fossem
publicados.
Ele riu, dizendo que era uma
besteira e que ela deveria esquecer aquela história. Ela voltou a insistir
e ele nervoso, com um tom bem sério respondeu: - "Não posso perder
tempo com essas frivolidades da juventude, só quero ser cientista, preciso
focar na pesquisa e no meu doutorado".
Ele precisou escolher, assim
fez. Por fim, eles foram morar na nova casa na Barra e ninguém mais tocou
no assunto. Dona Preta pediu a Luanda paciência, que tentasse respeitar,
aceitar a decisão do seu neto:
_ " Querida a vida foi muito
dura com ele, perdeu a mãe muito cedo, não conheceu o pai e enfrentou inúmeras
dificuldades. Ele viu muitos de seus amigos, colegas sendo mortos pela
violência."
Numa tarde de sábado, Augusto
chegou do trabalho, tomou umas cervejas sozinho em casa. Luanda e vó Preta
foram visitar os parentes e só voltariam no início da noite. Ele abriu o
armário, pegou o caderno empoeirado com páginas amareladas, escreveu na
última página:
" Augusto César, o
Cientista que quis ser poeta", guardou o caderno no mesmo lugar e
pensou:
_ “Nem todos os sonhos do mundo
são possíveis, quando se nasce pobre, órfão, preto e periférico, sobretudo num
mundo que você vale mais pelo que têm e não pelo que você é.”
Moral da história: O privilégio de
escolhas no Brasil, é deliberado pela cor.
Fabiana Moura, Pedagoga, Escritora,
Blogueira por distração.
@fabiiana.moura (instagram)
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