domingo, 2 de julho de 2023

Confiram o Novo Conto " Augusto César, O Cientista que Quis ser Poeta


Augusto César, O Cientista que Quis Ser Poeta

Augusto é um menino nascido e criado na Fazenda Grande em Salvador. Na infância vivia assustando sua avó, Dona Preta, com suas artimanhas e peraltices. Era um tal de subir em árvores, comer goiaba bichada, tomar banho de rio, lago e lagoa, deixava os fios de cabelos brancos da avó em pé. 

Augusto não  conheceu a mãe. Célia morreu logo após o parto. Teve pneumonia, depressão pós-parto, anemia e desnutrição. Foi muito difícil carregar a gravidez durante os nove meses, porque eu já estava muito debilitada quando engravidou.

Dona Anésia, conhecida como Dona Preta no Retiro, Liberdade e Fazenda Grande, passou a viver entre o trabalho como diarista e em casa. Foi muito triste perder sua única filha. Criar Augusto César foi o que preencheu a alma de esperança e força.

Augusto César começou a frequentar a escola aos cinco anos. Dona Preta  trabalhava como diarista, ganhava um salário-mínimo, custa caro sobreviver, mas ela seguia firme. Fazia cocada, tapioca, bolo de milho e um caldo de abóbora que era conhecido na comunidade. O lucro oriundo dos quitutes, era usado no sustento da casa e investido nos estudos de Augusto. 

O menino peralta sempre gostou de escrever, mas os seus olhos saltavam com brilho especial na escola durante as aulas de Ciências do seu Mestre. O Professor Doutor André, homem branco, nascido e criado na periferia do Rio de Janeiro, muito consciente dos privilégios da sua cor e atento aos jovens pretos , valorizava a curiosidade da garotada.

No Ensino Médio Augusto César resolveu participar de um concurso de poesia na escola que estudava. O Colégio Estadual era próximo de sua comunidade e ele começou a sentir prazer em escrever sobre as histórias do Retiro, da Liberdade, do Largo do Tanque, o concurso lhe rendeu uma premiação e bolsa de estudos no pré-vestibular.

Se inscreveu para a Faculdade de Medicina, mas não foi aprovado com a nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), então decidiu cursar Biologia no Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, conseguiu um emprego e assim garantiu seu sustento e de sua avó, Dona Preta.

O caderno com as páginas amarelas e seus textos escritos a lápis, foi guardado numa caixa em cima do velho guarda-roupa. Augusto concluiu sua graduação, em seguida, foi aprovado para o Mestrado em Biodiversidade e Evolução. Não foi fácil conciliar os estudos e a rotina de trabalho numa barbearia.  No final do Mestrado com o dinheiro economizado, Augusto resolveu realizar um sonho antigo de Dona Anésia. Foram conhecer a mãe África. Era sonho de infância de sua avó pisar no solo de Angola. A bisavó de Augusto deixou as histórias angolanas gravadas na memória e no coração da pretinha Anésia, ainda na infância, as histórias ancestrais e de seus antepassados.

Ao voltar da viagem a Augusto se inscreveu no concurso público para professor efetivo do mesmo Instituto de Biologia que o formou e foi aprovado. Durante uma viagem da Universidade, conheceu a jovem Luanda, anos depois os dois resolverem morar juntos. 

Com muito trabalho e economias do casal, conseguiram comprar uma casa maior e realizar o sonho de morar na Barra, Augusto, Luanda e Anésia se mudaram. 

Na organização da bagagem, Dona Preta encontrou o caderno amarelo e empoeirado de Augusto César. No momento em que ele abriu o caderno, leu seus próprios textos depois de mais de doze anos, em voz alta, riu bastante, chorou emocionado e mostrou a Luanda, mulher negra, pedagoga, professora dos anos iniciais, escritora de livros infantis... ela ficou perplexa com a riqueza dos escritos de Augusto César e insistiu para que fossem publicados. 

Ele riu, dizendo que era uma besteira e que ela deveria esquecer aquela história. Ela voltou a insistir e ele nervoso, com um tom bem sério respondeu:  - "Não posso perder tempo com essas frivolidades da juventude, só quero ser cientista, preciso focar na pesquisa e no meu doutorado".

Ele precisou escolher, assim fez. Por fim, eles foram morar na nova casa na Barra e ninguém mais tocou no assunto. Dona Preta pediu a Luanda paciência, que tentasse respeitar, aceitar a decisão do seu neto:

_ " Querida a vida foi muito dura com ele, perdeu a mãe muito cedo, não conheceu o pai e enfrentou inúmeras dificuldades. Ele viu muitos de seus amigos, colegas sendo mortos pela violência."

Numa tarde de sábado,  Augusto chegou do trabalho, tomou umas cervejas sozinho em casa. Luanda e vó Preta foram visitar os parentes e só voltariam no início da noite. Ele abriu o armário, pegou o caderno  empoeirado com páginas amareladas, escreveu na última página:

 " Augusto César, o Cientista que quis ser poeta", guardou o caderno no mesmo lugar e pensou:

_ “Nem todos os sonhos do mundo são possíveis, quando se nasce pobre, órfão, preto e periférico, sobretudo num mundo que você vale mais pelo que têm e não pelo que você é.”

Moral da história: O privilégio de escolhas no Brasil, é deliberado pela cor.

Fabiana Moura, Pedagoga, Escritora, Blogueira por distração.

@fabiiana.moura (instagram)

 


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