segunda-feira, 29 de novembro de 2021

" E por quê um mês da Consciência Negra?"


Hoje a Secretaria de Cultura, Secretaria de Desenvolvimento Social, Unegro, Artistas, Escolas e comunidade em geral se reuniram na Praça dos Poetas, Alto da Prefeitura de Jequié para culminar as atividades do Novembro Negro.

 Na oportunidade mediei um momento de reflexão, por certo, necessário:

  " E por quê um mês da Consciência Negra?" 

Tecemos um percurso a partir de quem somos, da vida, da infância na Feira Livre em Jequié, dos lugares que nos forjaram na luta, nos enfrentamentos. 

Para incendiar a fogueira e dizer basta a celeuma da Consciência Humana, a gente responde com  Poesia:


Até quando?

Até quando assistiremos o genocídio de jovens negros

 "deitados eternamente em berço esplêndido"? 

Até quando nossos sonhos serão aniquilados com o braço da violência 

e do racismo estrutural e institucionalizado neste país? 

Parafraseando Elza Soares... 

Até quando  " A carne negra será a carne mais barata do mercado? 

Até quando eles vão abordar a juventude negra 

Entregando-lhes sentença de morte e destruindo famílias?

 

Até quando eles derramarão o nosso sangue 

em seu projeto “civilizatório” 

que nos considera seres sem alma, 

sem intelecto, sem sonhos?

 

Até quando seremos um pedaço de carne que possa ser abatida

sem perguntar se tenho família, 

nome, sobrenome?

 

Que cidadania é essa?

 

 Eu choro com todas as mães

Eu choro com famílias,

Choro com João Pedro, Dandaras, Mirtes e Marielles.

 

 Cada vez que elegemos genocidas para a gestão pública

 seguramos a arma que abate povos negros e vulneráveis,

 pois, o crime no Brasil tem cor, etnia e classe social.

Até quando?

Fabiana Moura, Pedagoga, Especialista em Direitos Humanos, Mestra em Educação Científica 

(UESB – Jequié)

 


 

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

“Mulheres e Mães Nas Ciências em Escrevivências”

 

        Fonte da imagem: https://www.instagram.com/p/CSagf7Lnkxh/

Viver é travessia, trago esta fala como máxima existencial. Após escutar a  Doutora Bianca Santana na Roda de Conversa  do Grupo de Estudos e Pesquisas Oju Obìnirín, que em idioma iroubá significa Olho de Mulher, passei a semana com uma voz na cabeça dizendo: escreva! Aqui estou.

O Observatório de Mulheres Negras é um quilombo em convergências de fé, força, coragem, acolhimento.  Um coletivo tecido por afetos, pesquisas, costuras infinitas, coordenado pela Doutora Núbia Regina Moreira e a Doutora Francislene Cerqueira.

Na terça -feira, 10 de agosto, aconteceu A Roda de Conversa Pensar, Sentir, Viver, Escrever, Fazer, Divulgar a Pesquisa com a apresentação “Escavações e Escrevivências das Memórias de Mulheres Negras” com a pesquisadora, jornalista, escritora Bianca que me permitiu uma reconexão com minhas ancestralidades de um modo mais profundo, reconectei-me com memórias e cicatrizes. Com uma enorme, transcendental diferença, não mais no lugar da dor, mas, da potência da escrita de Mulheres que desde 2015 me lançaram numa jornada de autoconhecimento e autocura. Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, bell hooks, Chimamanda, Núbia Regina, Sulei Carneiro dentre outras me reconstruíram num processo de autopercepção e sobretudo, em literalmente “ Me descobri negra”          lendo Bianca Santana. 

  Após devorar a Obra Vozes insurgentes de mulheres negras (https://biancasantana.info/livros/) indicado pela Bianca na roda eu decidi compartilhar um recorte da minha vida, que talvez, seja farol na vida de outras.  Quem já passou aqui pelo Blogue Travessias ou me conhece de perto sabe que estou na educação desde 1999. Na verdade, em 1997, quando inicio o Magistério de Nível Médio, no antigo Instituto de Educação Regis Pacheco, aos 17 anos de idade, dei início a jornada pela profissão docente.

 A primeira experiência como regente de uma sala de aula aconteceu aos 18 anos numa classe de Educação de Jovens e Adultos, a mesma turma que fiz o estágio de conclusão do curso, vocês podem imaginar qual era a cor/etnia da maioria dos alunos dessa turma? Me lembro como hoje, homens e mulheres negras em sua maioria. Em 2003 quando pensava em cursar Direito ou Ciências Biológicas, cursos elitizados no contexto de 2002, a realidade bateu em minha porta e lendo o Manual do Candidato da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), na agência dos Correios, eu decidi fazer vestibular para o curso de Pedagogia. A descrição do curso moveu inquietações dentro da minha cabeça, algo me dizia que era o percurso a ser trilhado.

No decorrer da minha formação as leituras, as discussões e a própria identidade do curso evidenciava a formação para atuar na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na função de Coordenadora Pedagógica como descrito o no manual do candidato.  

Depois de concluir o Magistério, também durante a licenciatura atuei em na rede privada como professora alfabetizadora e em instituições não-formais como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Em 2007, prestei concurso público para Rede Municipal de Poções e fui aprovada.

Ministrei aulas na Educação Infantil, Ensino Fundamental, classes multisseriadas etc. Na Educação do Campo atuei como Educadora Ambiental no Programa Despertar, este projeto em Educação Ambiental me rendeu uma “paixão” profunda pelo campo, pela zona rural, por aquela comunidade em Poções, o Assentamento Jabuti. Me entreguei ao ponto de fazer uma especialização na área de Educação Ambiental, fui contemplada em 2011 com premiação em primeiro lugar com a melhor experiência pedagógica no município pelo Programa Despertar, acabei doando o prêmio para a associação da comunidade do Jabuti. Em 2014 conclui a especialização em Direitos Humanos e Democracia na UESB-Jequié.

Em 2012, ensinando Ciências numa turma da Educação de Jovens e Adultos, me deparo com questões que me atravessaram e fiquei grávida do meu objeto de estudo. Aliás, literalmente grávida, em 2012 e 2013, enfrentei duas gestações sem sucesso, os filhos ou filhas que ainda não conheci não nasceram e o mestrado também não. Resumo da ópera, não fui aprovada nas quatro tentativas.

Em 2014, quando descubro que tinha cálculos na vesícula biliar na emergência de um hospital em Feira de Santana,  em seguida, prestes a passar pela cirurgia de retirada do órgão descubro que estava duplamente grávida: de Júlia minha filha mais velha e do meu objeto de pesquisa que começou a tomar alguns delineamentos depois que ingressei como aluna especial no Programa de Educação Científica e Formação de Professores da UESB-Jequié em 2013, na disciplina Análises de Dados Qualitativos com o Professor Doutor Bruno Ferreira.

Em 2014 passei pela seleção, fui aprovada, no mesmo mês em que saiu o resultado, Júlia nasceu.  Após o parto passei a ter crises semanais por conta dos cálculos na vesícula biliar que provocou coledocolitíase, ou seja, obstrução do colédoco, pancreatite, internamento, cirurgia de emergência e a bile drenada em um recipiente com um cateter enfiado no colédoco. Neste estado, fui fazer a matrícula no mestrado. Estava usando o dreno ainda e minha irmã caçula, Andreia me acompanhou segurando o recipiente, ao mesmo tempo mainha, Dona Zenaide, uma mulher preta infinita olhava a neta pequena. E o marido, o pai preto trabalhava.  Neste ensejo eu já começava a trocar e-mails com a professora Doutora Daisi Teresinha Chapani, minha orientadora. 

Em março, retirei o dreno que me rendeu mais uma semana de internamento em um Hospital em Jequié, que por sinal, se não fosse a teimosia do médico em me internar eu não estaria viva para escrever este texto. O pâncreas, fígado estavam detonados por conta da bile vazada na retirada do dreno. O susto foi grande, mas, nos recuperamos. Então, me lancei na jornada dupla de cuidar das duas crias, o mestrado e a pequena Júlia, minha jujuba.

Segui em frente, cursei as disciplinas, fiz estágio de docência no Ensino Superior, realizei a coleta de dados, consegui um trampo como assessora pedagógica numa Instituição de Ensino Superior privada, fui chamada numa seleção para dar aulas na rede estadual, entre a sobrevivência, comida no prato, saúde e formação, “nós damos nossos pulos”.

Nós maternamos em redes, ninguém materna sozinha, assim como ninguém aprende só nesta vida.  Eu mesma não sabia direito o que era ser mãe, aprendi na prática, assim como sigo aprendendo que  ser uma pesquisadora numa sociedade racista, machista, patriarcal, capacitista e excludente, para a mulher preta,  ser mãe e fazer pesquisa, trabalhar, dar conta dos boletos,da sobrevivência, autocuidado e de viver, é babado, só acontece mesmo nos aquilombando.

 Foi assim, titubeando, errando, cometendo deslizes, tropeçando, me levantando, afetando e sendo afetada, qualifiquei-me em setembro de 2016, defendi em maio de 2017, sou grata a Professora Daisi pela orientação, o suporte, os conselhos, puxões de orelha, pelas aprendizagens.

Em 2018 nasceu minha segunda filha, Maria Luiza, hoje com 03 anos. No mesmo ano fui aprovada no Concurso Público para Coordenação Pedagógica na Rede Estadual, desde 23 de janeiro de 2019 até o dia de hoje estou coordenadora no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Cotrim em Jequié.

Em 2020 o universo me reaproximou de Karla Carvalho numa belíssima campanha política para o Legislativo Municipal em Jequié com o projeto Cidade Leitora, Sustentável e Diversa. Nasceu no coração de “Karlinha”, nos trilhos das rodas de leitura no Barro Preto, na Rua da Linha, o Coletivo Mulheres da Linha.

Seguimos na travessia, mulheres de mãos dadas em redes de solidariedade política, empoderando-nos na coletividade.  Como diz Juliana Gonçalves “ É insurgente toda aquela que se revolta contra um poder estabelecido. E, quando se trata de mulheres pretas, toda insurgência é um ato revolucionário.” O que nos move como feministas, mulheristas ou ecofeministas: o sonho de um mundo mais justo, equânime e inclusivo para todas as pessoas. Por isso lutamos. #feminismoparaas99

O que desejo hoje como mãe, mulher negra, me aventurando pelos territórios sagrados da pesquisa, é traçar novos rumos no encontro com a diversidade de história de mulheres negras nas ciências, principalmente na minha universidade, minha UESB, minha casa. O desejo pela pesquisa com narrativas autobiográfica, memórias, história oral me arrebata desde que fui recebida em 2018 no grupo de Estudos e Pesquisas Impressões coordenado pela professora  Doutora Talamira Taita, e também lendo as obras do Doutor Eliseu Clementino.   

Minha prece! Que a matripotência sagrada acolha meu desejo.  

Fabiana Moura, mãe, mulher preta, pesquisadora, professora, sonhadora, desejante.

Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/8126947849354716

 


 


terça-feira, 22 de junho de 2021

Travessias de Gisele Gomes Andrade


 

Hoje o Travessias têm a honra de contar para o mundo a História de Vida e Formação de Gisele Gomes Andrade. Técnica de Segurança, Tecnóloga em Gestão Ambiental e Licenciada em Pedagogia. Especialista em Gestão de Pessoas, Gestão de Riscos; Concluinte da Especialização em Formação Docente e Práticas Pedagógicas pelo Instituto Federal Bahia. Esse  lugar de sincronicidade que por meio de Elane Nardotto me cerca de experiências transcendentais. Foi ela que me apresentou Gisele, esta Mulher Infinita como consagra a Poesia de Ryane Leão, “ Tudo Nela Brilha e Queima.”

Gisele estudou em escola de cunho religioso, um dos fatos marcantes na vida desta mulher multifacetada foi assumir com liberdade as suas escolhas,  e por vezes, era apontada na escola por subverter os padrões impostos. Disruptiva, uma Anésia Cauaçu da sua geração?

Uma garota da periferia, morou em áreas invadidas, engravidou aos dezesseis anos. Numa sociedade marcada pelo machismo, sexismo e desigualdade de gênero a maternidade aos 16 anos atrasou a conclusão do Ensino Médio, mais tarde a modalidade de conclusão CPA, Comissão Permanente de Avaliação permitiu que Gisele concluísse o ciclo de escolarização. A CPA, modalidade que flexibiliza  condições para que mulheres com história de vida como dela concluam os estudos e acessem outras oportunidades de formação.

Quando o Travessias questiona Gisele a respeito do interesse pela profissão docente, ela responde que sente-se vocacionada a compartilhar saberes. A medida que a práxis docente foi se desdobrando na sua atuação profissional, ainda como tecnóloga ela sentiu a necessidade de buscar novos caminhos e aperfeiçoar a profissão docente, ela então decidiu cursar Pedagogia.

“Ela relata: “ Com o passar dos anos fui buscando aprimorar   a forma de trocar experiências e descobri o meu lugar. Penso que já nascemos docentes e como passar do tempo nos descobrimos e podemos melhorar a forma de fazer. Existem pessoas com muitos títulos, mas, o fazer docente, não está lá.”

Esta fala nos rememora o que Paulo Freire denomina de vocação ontológica em compreender o fazer prático como instrumento de transformação da realidade.

“ A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são produtores desta realidade opressora e se esta na inversão da práxis, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens ( FREIRE 2019, p. 51)

Gisele destaca que “a discrepância social, pelo fato de nem todos gozarem das mesmas condições é revoltante, principalmente pelo fato perceber que muitas pessoas não têm acesso ao mínimo para sobreviver e ao mesmo tempo percorre o mesmo caminho ( de forma lenta, quase rastejando) diferente de quem têm as condições em níveis econômicos mais elevados.”

O Travessias perguntou sobre o prazer e a alegria no fazer docente, ela nos responde com leveza:

“ Pode parecer poético, mas o brilho no olho do educando não têm preço. Vejo sempre como incentivo para oferecer o melhor dentro das minhas possibilidades.” E define a profissão docente em uma palavra, Desafio.

Desafio este que se desenha no que Paulo Freire afirma em Pedagogia do Oprimido,

não há caminho senão da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária , em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo quase coisas, com eles estabelece uma relação dialógica permanente ( FREIRE, 209, p 77)

Este é o nosso desafio diário!

O Travessias agradece a Gisele por nos presentear com sua historicidade. Afinal, tudo é travessia.



Freire, Paulo, Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2019;

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Feminismo ou Feminismos?


 

Resenhando



O Livro Teoria Feminsta: Da Margem ao Centro de bell hooks, publicado pela primeira vez em 1984 nos convoca para um entendimento mais amplo do movimento feminista rompendo com os ditames de uma concepção meramente burguesa do feminino, da competição por espaços de poder econômico na mesma guisa de privilégios supremacista, branco e heteronormativo.

hooks nos desperta para a necessidade de agenda de mulheres negras engajando todas/todxs quanto considerarem relevante para a práxis revolucionária contra toda e qualquer forma de opressão e exclusão.

Esta agenda representativa e formativa nas comunidades, nas ruas, nos centros, sobretudo nas áreas periféricas é o lastro para a construção da solidariedade política essencial para o enfrentamento das estruturas socioeconômicas do necrosistema que tem como combustível o sexismo, o racismo, a homofobia, o patriarcado, machismo...  retroalimentando a bolha violenta de manutenção dos privilégios de classes da ordem vigente.

A autora ainda chama nossa atenção para as ciladas burguesas pseudoprogressistas que tendem a limitar a agenda do movimento feminista ao ingresso das mulheres brancas no mercado de trabalho, nos postos de mando, na luta por remuneração equiparada a dos homens na mesma lógica do “necrocpaital” e neste ensejo excluem homens e mulheres negras ao acesso a empregabilidade digna.

A proclamada liberdade sexual é fundamental para nutrir as relações humanas de modo a produzir partentalidades saudáveis, não abusivas, hierarquizadas de forma violenta e opressiva. Entretanto,  “ a guerra dos sexos” não é suficiente para produção do engajamento coletivo necessário para construção de pautas comuns.

É relevante que nós mulheres reivindiquemos a autonomia e liberdade sobre os nossos corpos, sobre o prazer que nos foi negado, negligenciado pelo patriarcado, porém, nos libertar sexualmente ainda não é suficiente e não representa as transformações que almejamos, precisamos avançar para enfrentar o sexismo e elaborar projetos em que homens, mulheres negrxs, pobres, perifericxs atuem engajados pelas pautas diversas, distintas, porém comuns.

A liberdade sexual só pode existir quando indivíduos não são mais oprimidos por uma sexualidade socialmente construída que têm por base definições biológicas determinadas da sexualidade: repressão, vergonha, dominação, conquista e exploração ( hooks, 2019,p. 218)

As normas sociais de exploração fundadas no patriarcado, no machismo, racismo, intolerância religiosa tornam-se molas propulsoras na reprodução da violência contra mulher, já que os padrões sexistas educam homens para colocar sua “virilidade” acima da dignidade humana e do respeito às diferenças e a diversidade.

A experiência feminista coletiva na agenda do feminismo negro propõe a formação dialógica das massas para construção de uma práxis libertadora. Precisamos nos reunir como povo para concentração nas pautas visando repactuar o interesse, apoio e participação de mulheres que desconhecem a legitimidade do feminismo negro no enfrentamento das estruturas opressoras de gênero, raça e classe.

Nossa ênfase precisa ser na transformação cultural de modo a promover horizontalidade nas relações desmitificando a parentalidade biológica. Recorrendo a amorosidade freireana para uma práxis libertária podemos congregar diversidade de corpos, concepções de mundo e expressões da nossa sexualidade no tecido de uma sociedade que não se imbrique com ideários heterosexistas, mas na compreensão mútua fundamentando ação dialógica libertadora da “margem ao centro.”

A práxis existencial, a ação revolucionária, que está na centralidade do feminismo negro é pela libertação de todas/todos/todes. É pela construção de novas estruturas situadas no contraponto do necrosistema, do “necrocapital”.

Em suma, pelo que lutamos? Por uma sociedade organicamente “ecofeminista”, em acolhimento a diversidade, sustentável, com justiça social, distributiva e por fim aguerrida na luta pela erradicação das múltiplas violências de gênero, raça e classe.

 

hooks, bell.Teoria Feminista: Da margem ao centro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2019

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Projeto Travessias: Entrevista com Ivanildes Moura



Travessia: Quem é você?

Ivanildes Moura dos Santos, mulher preta, professora, escritora , vencedora do premio Zélia Saldanha 2005. Nascida em Jequié, interior da Bahia, filha de Terezinha Moura dos Santos e Antonio Marques dos Santos, ambos falecidos. Estudei em escola pública e fiz  conclusão do magistério em 1987.

Travessia: Qual é sua área de formação, atuação profissional e experiências?

Minha formação em Pedagogia - Uesb / segunda licenciatura em Artes Visuais- Uniasselvi. Pós-graduada em Literatura e Ensino de Literatura/ Especialização  em Antropologia das Culturas afro-brasileiras ambas  pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, atuei na mesma Universidade como pesquisadora do Órgão de Pesquisa em Educação e Relações Étnicas com ênfase em Cultura Afro-brasileira (ODEERE), certificado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

 Em 2006 atuei como Coordenadora do Núcleo  de Educação para a Diversidade Cultural e Étnico e Gênero,  para a implementação da lei 10/.639/2003 na Secretaria Municipal de Educação de Jequié - Bahia.  Por duas vezes como Coordenadora Pedagógica  numa das escolas do município Ensino Fundamental, anos iniciais. Sempre fui apaixonada por teatro, iniciei meu trabalho numa creche  com teatro infantil onde fiz varias adaptações de peças para as crianças. Atualmente trabalho como professora na área de artes visuais e cultura afro brasileira, onde dou seguimento com teatro com as turmas do Ensino fundamental II

 

 Travessia : Como foi a sua infância e o processo de escolarização, gostaria de nos contar fatos marcantes sobre sua infância e sua vida escolar?

Entrei na escolinha aos sete anos de idade; minha primeira professora se chamava Clemilda. A escola era de pequeno porte e estava localizada na mesma rua em que morava. Não era registrada. Nessa época era costume  reunir as crianças em um espaço qualquer, de preferência residencial, para alfabetizar. 

Costumávamos brincar no terreiro da escolinha e tomava lição do ABC, tabuada antes e depois do recreio. A professora era agradável quando queria, mas, não permitia muita bagunça; qualquer “trabalho” que eu desse durante as aulas, ela contava imediatamente para minha mãe que logo providenciava a correção, ainda que eu não fosse uma criança muito conversadeira na escola.

Porém, algo me marcou muito naquela escolinha, não foram às brincadeiras lamentavelmente, nem as histórias ou as lições, mas, a atitude da professora Clemilda que costumava cortar as unhas das crianças quando achava necessário. Certa vez eu fui para a escola com as unhas sujas de terra, provavelmente de tanto brincar no terreiro de casa, na circunstância a professora olhou para as minhas mãos, pegou uma tesoura e decepou minhas unhas até sangrar.

Cheguei em casa chorando, minha mãe não me perguntou nada, só fez pegar minhas mãos, colocou mertiolate e em seguida se dirigiu até a casa da professora que era no final da rua em que eu morava, local onde funcionava também a escolinha. Não sei o que elas conversaram, só sei que minha mãe voltou para casa com uma “cara de missão cumprida” e no outro dia quando cheguei à escola, a professora pegou minhas mãos manchadas de mertiolate, olhou com expressão de arrependimento, depois não se tocou mais no assunto. Diante disso voltei, sem medo, a me divertir na escolinha da professora Clemilda.

No Ensino Fundamental, antigo primário, entrei numa escola “grande” pela manhã. Usava uma saia azul marinho toda pinçada, uma blusa branca com um escudo estampado no bolso, meias brancas e sapato colegial. Meus cabelos sempre bem penteados, partido ao meio com duas trancas e laço de fita. Era meu primeiro dia de aula, enfim minha 1ª serie. O nome do enorme colégio era “Grupo Escolar Jornalista Fernando Barreto”. Não lembro do nome da segunda professora, mas, recordo que era meiga e atenciosa.

Recordo também da cartilha toda ilustrada. O “A” de avião, o “B” de bola e a cada letra o desenho representado. Não era complicado frequentar a escola pois não era longe, ficava na mesma rua em que morava, a única coisa que me irritava era voltar despenteada para casa todos os dias, não porque minha mãe não caprichava no penteado, é que os colegas insistiam em desmanchar meu cabelo sempre com chacota me chamando de nega do cabelo duro. Sem contar as festas da primavera que nunca fui rainha, tão pouco princesa, não sabiam que tais atitudes poderiam ferir, machucar, bagunçar a cabeça de uma criança, inferiorizá-la, o fato era que a escola estava começando a ficar feia para mim, as faces macabras do racsimo naturalizado.

 Na segunda série voltei um pouco esperançosa, tinha nove anos, acreditava que não teriam mais meninos tão perturbados e que me deixariam em paz, não foi bem assim, eu estava maior e minhas tranças também.

A professora da classe passou despercebida para mim, ela não foi tão importante na minha caminhada, mas lembro de um estagiário negro que era muito carinhoso e bastante atencioso, entretanto, os meninos não ajudavam. Eu acreditava que era pelo fato dele não ser o professor oficial da turma. Um fato me chamou a atenção e me deixou bastante triste, o estagiário, que não me lembro o nome, no dia do encerramento, entrou na sala triste e explicando que não teríamos a festa porque sua sogra tinha falecido e sua esposa não estava em condições emocionais para fazer o bolo. Mesmo assim, carinhosamente ele trouxe umas balinhas de jenipapo no saquinho e um bolo de assadeira sem confeito. Alguns alunos atiraram as balinhas no professor dizendo que era cocô de cabra. O professor precisou da ajuda da professora para conter os colegas e foi embora decepcionado. A escola estava ficando mais feia ainda, não sabia como lidar com ela, fiquei cada vez mais calada.

Na terceira serie, minha professora era alta, loira, falava alto e fazia questão de chamar um a um para tomar a lição em sua carteira. Algumas coisas ficaram guardadas nas minhas lembranças, primeiro o nome da professora, Maísa, segundo o texto “O barquinho amarelo”, lição que me levou a aprender a ler, e uma caixa de chocolate que ganhei de presente por ser a aluna mais calada da turma. Claro, sem esquecer da terrível insistência dos meus colegas de me chamar cabelo duro.

Cheguei “quase intacta” na 4ª serie, era 1976, tinha dez anos, estudei com a temível professora Mirian Coqueiro, para o meu desespero eu não era muito boa em matemática, as sabatinas me matavam, detestava aquela professora carrasca. Porém, foi à única que me deu a chance de dançar quadrilha junina, a parte triste foi que meu parceiro, determinado por ela, não compareceu na festa para não dançar com a neguinha. Foi ai que entendi que era diferente por ser negra e que a minha cor incomodava a ponto de ser muito difícil continuar estudar.

Travessia: Quando ou quais eventos os/as impulsionaram a escolha pela profissão docente?

Quando eu era criança ser professora era o maior orgulho de toda a família. Para a minha família não era diferente, eu percebi que além de ser uma profissão que eu admirava  também seria um grande orgulho, para mim e para meus pais. Então segui os passos a minha irmã mais velha e fiz magistério.

Travessia: Em sua concepção qual/quais são os maiores desafio para a profissão docente no atual contexto?

Vivemos num contexto atípico, porem sempre acreditei que ser professor é conviver com mudanças e aprendizados, nesse contexto cabe a nós se reinventar.

Travessia: Como você avalia a atuação do poder público, dos Conselhos Municipais, Sindicatos e sociedade civil com relação à educação pública neste contexto de pandemia?

Embora o contexto exija que se tenha cautela por conta da atual situação, acredito que seja cedo para uma avaliação mais contundente. Ainda assim, esperamos que se tenha uma maior agilidade principalmente para adequação dos espaços físicos das escolas para receber corpo docentes, discentes e trabalhadores colaboradores da educação com condições seguras. Quanto aos conselhos, sindicatos  esperamos uma atuação mais intensificada. No que diz respeito a sociedade civil seria importante melhor formação e  maior participação para o entendimento e buscas pelos direitos civis.

Travessia: Que avaliação você faz sobre o “Ensino Remoto Emergencial”, suas potencialidades e limites para a realidade brasileira?

Sabemos que o ensino a distancia sempre foi uma realidade positiva para o ensino brasileiro, entretanto não podemos negar que o ensino remoto nesse contexto, com proposito de diminuir o impacto do isolamento social,  apega-se na verdade  a improvisação. A pressa exigiu reprodução de material que nem sempre sai como o esperado uma vez que nem sempre o professor domina as tecnologias necessárias e nem sempre têm formação, recursos e habilidades para produzir material de estudos e  entretenimento virtual,  seria necessário um maior planejamento e investimento para essa modalidade. Outro prejuízo está no fato que nem todos os professores e estudantes têm acesso a internet e as tecnologias necessárias.

Travessia: Conte-nos uma experiência ou fato que você considerou mais marcante em sua jornada profissional:

Estava ainda na graduação, era o ano de 2005, quando surgiu o premio literário Zélia Saldanha, oferecido pela UESB, campus de Vitória da Conquista. Eu tinha escrito uma história que falava de uma princesinha negra que nasceu em Aruanda, cujo nome era Azire. A história trazia em seu contexto toda uma simbologia africana. Esse trabalho fazia parte da minha pesquisa de graduação. Fui incentivada por um grande amigo e professor Marcos Aurelio de Souza a inscrever o trabalho. Assim o fiz. Para minha surpresa a historia “Azire: a Princesinha de Aruanda” foi à grande vencedora do premio na categoria infanto juvenil.

Travessia: Na possibilidade de definir a docência em uma palavra, qual seria o termo?

Compromisso e comprometimento

Travessia: Como você avaliou esta experiência reflexiva de escrita de si e narrativa de aspectos de sua vida, formação e práxis profissional?

Sempre fui uma pessoa muito reservada, falar um pouco sobre minha trajetória através da escrita me transporta a uma viagem pelo tempo. São experiências estranhas quando me remoto a minha infância no período da escolarização, uma sensação de perda, algo que ficou inacabado dentro do meu ser, no entanto, ainda que sejam experiências traumáticas foram situações que de certo modo a “troncos e barrancos” me levaram  a reagir buscando cada vez mais meus direitos e como professora lutando para modificar a historia atual. Como dia a grande poetiza Elisa Lucinda. ”Sei que  não dá pra mudar o começo mais se agente quiser, vai dar pra  mudar o final”.

 

Agradecemos a Professora, Escritora, Mulher Preta, Ivanildes Moura, por nos permitir aprender tanto com sua história de vida e formação!

 

sábado, 2 de janeiro de 2021

Travessias e Agendas Antirracistas


 Racismos no Brasil: Costuras Reflexivas

 

O presente texto é fruto das lives realizadas no ano de 2020 relacionadas com a questão do racismo no Brasil. Diálogos tecidos com mulheres:  a pesquisadora e Assistente Social Marília do Amparo Alves sobre o Racismo e os caminhos de enfrentamentos, encontro amoroso e potente com a pesquisadora Maicelma Maia sobre Infâncias Negras, uma conversa de irmãs com Ivanildes Moura sobre Literatura Infantil Afrobrasileira e por fim, a participação no programa Trilha de Saberes com a Psicanalista Ieda Sampaio cuja temática foi “ Consciência Negra.”

Não sou uma pesquisadora com aprofundamentos teóricos sobre a temática, venho me lançando em leituras que me atravessam no contexto e  convocam para agendas existenciais de enfrentamento e diálogos. São contínuas leituras de obras de autores/autor@s como: Abdias Nascimento, Bell Hooks, Sílvio de Almeida,  Djamila Ribeiro, Chimamanda, Conceição Evaristo, Eduardo Bonilla-Silva, Sueli Carneiro, Maicelma Maia, entre outras/os/es. Autorizo-me experimentar esta escrita “ de dentro da minha pele”.

Os fios que tecem nossas memórias e histórias de infâncias negras no Brasil são linhas de resistência. Infâncias costuradas pelos racismos, em suas múltiplas nuances, requintes de dor. Certamente é por isso que o conceito de "dororidade" nos compreende tanto. Uma menina negra, filha de mãe preta retinta e pai branco, de família branca, ou seja, o cenário assimétrico inaceitável para as estruturas coloniais que atravessam este país e reproduz sempre os arquétipos que transitam entre "Casa grande e Senzala". São marcadores do inconsciente coletivo da sociedade brasileira, “do crente ao ateu.” As infâncias negras costuradas pelo racismo estrutural constituem o tecido da minha própria existência.

O sentimento de vergonha e desprezo que era verbalizado pela minha família paterna em virtude da cor da nossa pele, por mais doloroso que seja, é o racismo sutil  o que mais me incomoda. 

Escrever este texto em pleno século XXI, exatamente em 28 de dezembro de 2020 não é por acaso. Após um final de semana marcado por diálogos desgostosos e desgastantes com  “neopetencostais” puramente narcisistas, cutucou de alguma maneira a criança um dia ferida e marcada pelas cicatrizes do racismo e provocou-me a escrever. Aprendi com uma amiga que a escrita é um processo de autocura, mas, também uma ação revolucionária. 

No momento que tomo consciência da minha existência como mulher negra, sobre ser e estar no mundo, autopertença, caminhar de si e para si, anunciando minha própria liberdade , erguendo a voz para enfrentar os olhares e o desprezo, vivo e anuncio meu renascimento, meu grito. É visível que dentro da lógica inter-racial  de forma cônscia ou inconscientemente a "branquitude" é historicamente privilegiada, mas quase nunca  estão efetivamente dispostos a questionar estes modelos e estruturas.

Nas disputas de espaços, de ocupação, de condição de vida e existência o corpo negro sofre as penas do racismo escamoteado pela famigerada narrativa pseudocristã, somos todos irmãos, filhos do mesmo pai, somos humanos, o que basta é ter consciência humana, puro engodo.

O discurso da igualdade entre os “homens” escamoteia a realidade e perpetua as faces do racismo. É na verdade um dos remendos institucionais que descaracteriza os horrores e violências que sofremos de dentro da nossa realidade cotidiana. Os corpos cravejados de balas e encarcerados neste país nos dizem muito sobre os nossos enfrentamentos.  

As infâncias não-brancas são feridas diuturnamente. O fetiche, os abusos, os apelidos pejorativos, os comentários sobre a textura do cabelo, assinalam as assimetrias que costuram os estágios de desenvolvimento de uma criança negra. Sou forjada neste cenário de inaceitação. Uma história tricotada com pontos de pobreza, dor, exclusão e ao mesmo tempo, alegre, resiliente pela correlação de forças, afetos e acolhimento.

A Doutora Maria Eurico, pesquisadora sobre racismo institucional na infância ressalta os impactos do pensamento conservador sobre as crianças brasileiras, na sua condição de gênero, classe que traduz-se em tratamentos desumanos, excludentes, degradantes sobre a vida das crianças e toda esta rigidez moralista desdobra-se em diversas formas de violência que perpassam o cotidiano das famílias.

As minhas travessias existenciais e profissionais como estudante,  professora, pedagoga e psicopedagoga, autorizam-me afirmar que o racismo "individual, estrutural, institucional", atinge visceralmente as infâncias negras. Favorecem as engrenagens neoliberais reprodutoras da segregação e mantenedoras das estruturas que corroboram com uso da “ carne negra” como mero objeto, “a mais barata do mercado” ferramenta de trabalho, incivilizados, coisificados. Neste contexto, como pontua Ailton Krenak, deixamos de ter governos na liderança dos Estados, o comando está nas mãos das grandes corporações. Os empresários e o sistema bancário decidem a vida.

O racismo, enquanto uma das facetas da sociedade moderna, é único, pois ainda estrutura-se por um denominador comum: a exploração de um grupo sobre o outro, a partir de critérios étnico-raciais. Além disso, projeta-se na vida pública, na família, nas instituições, nas ciências, enfim, em todas as esferas das relações humanas (EURICO,2020).

Eurico destaca que é extremamente potente e necessário problematizar a realidade do racismo estrutural como um dos caminhos possíveis, reais e relevantes para transformação da sociedade. A relação raça, classe, gênero toma como base de sustentação o tripé exclusão, precarização e exploração, é o que de fato compõe a moderna divisão social do trabalho. São estes os ingredientes funcionais da engrenagem neoliberal que visa o enriquecimento de uma determinada classe, neste sistema, os corpos não brancos não se enquadram, são meras peças da grande máquina.

Reconfigurar este sistema exige movimentos de mudança nos modos de produzir, nas concepções de necessidades e consumo, redistribuição de riquezas de forma equânime. Este upgrade exige um novo modo de caminhar.

A superação das estruturas racistas, do arquétipo do sujeito universal, do homem branco, rico e bem sucedido, é imperativo. Esta ruptura de obstáculos e problematização dos estigmas implicam em novas formas de construir a educação, escolarização, os currículos, a universidade, a pesquisa, a política, a economia e a gestão pública.

E por fim, “se o racismo se reatualiza, as formas de combate também precisam ser reinventadas.” A escola, as instituições, a política, a sociedade civil não podem se omitir deste debate, sob pena de serem destituídos da legitimidade da organização civil do Estado Democrático de Direito  como espaço de formação e construção da existência humana respeitando biomiméticamente sua natureza diversa e plural. 

Afinal, na lógica do necropoder, “vidas negras” de fato importam? O que nos dizem as estatísticas? O que o Estado Brasileiro, a gestão pública, as instituições têm feito para equacionar a dívida histórica e reconfigurar esta realidade?     

  

EURICO, Maria Campos. Tecendo Tramas a cerca de uma infância sem racismo. Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ. Rio de Janeiro ( 1º sem 2020- n.45.v19,p. 69-83)

 

Fabiana Correia Moura, Mulher Negra, feminista, Pedagoga, Mestra em Educação Científica e Formação de Professores, Especialista em Direitos Humanos (UESB), Coordenadora Pedagógica no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Neves Cotrim


 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A quem serve o olavismo no Brasil?

 

         


Biografia de Olavo de Carvalho?  

 

Caros leitores e leitoras, se você chegou até aqui... Parabéns! Seja olavista, terraplanista, curioso, conhece ou leu alguma “obra”, gosta e ama o grande pensador Olavo de Carvalho, sinto muito te decepcionar, mas, o tal guru é uma verdadeira sabotagem da Ciência, uma assassinato a epistemologia e sobretudo da vida prática de qualquer cidadão, pois, milita contra a dignidade humana e direitos fundamentais. É uma fake filosófica.

Relendo algumas obras clássicas de Paulo Freire sinto-me convocada a recontar esta história. Visitando os baús de memórias freireanas e revirando os tecidos, linhas que costuraram um legado vivo, apresento-te, Paulo Freire!

Quem é Paulo Freire? Que importância têm sua teoria, sua proposta pragmática para a educação, sua leitura de mundo e práxis que extrapola perspectivas minimalista do “método”?

Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, em Recife (PE), filho de Joaquim Temístocles Freire e de Edeltrudes Neves Freire. Foi casado com Elza Maia Costa Oliveira, com quem teve cinco filhos. Após ficar viúvo, casou-se com Ana Maria Araújo Freire.

Aos 22 anos de idade ingressou na Faculdade de Direito de Recife. Na mesma época, durante o curso, iniciou sua caminhada na docência no Colégio Oswaldo Cruz, onde estudou na adolescência. Entre os anos de 1947 e 1954, trabalhou no Serviço Social da Indústria (SESI) como diretor do setor de educação e cultura, no SESI construiu suas primeiras experiências com a educação de adultos, logo foi nomeado como superintendente da instituição de 1954 a 1957.

Concomitante com a carreira no SESI, Paulo Freire assumiu vários cargos públicos. Dentre eles em 1956, foi nomeado membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife e em 1961, diretor da Divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura de Recife.

E o Ensino Superior?  O primeiro contato com a educação superior foi lecionando Filosofia da Educação na Escola de Serviço Social da Universidade do Recife. Em 1959, concluiu o doutorado em Filosofia e História da Educação, sendo nomeado nesse mesmo ano professor efetivo de História e Filosofia da Educação da Escola de Belas Artes. No início da década de 1960, foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular da capital pernambucana.

No ano de 1963, foi nomeado pelo governador de Pernambuco, Miguel Arraes, um dos conselheiros do Conselho Estadual de Educação, um pioneiro na atuação como conselheiro no estado. Os conselheiros foram responsáveis pela elaboração do primeiro regimento do orgão, concluído em março de 1964. No mesmo período atuava em Brasília engajado na construção do Programa Nacional de Alfabetização, quando o Regime Militar depôs o presidente João Goulart no dia 31 daquele mês. Miguel Arraes e o vice-governador do Pernambuco foram presos, no contexto Paulo Guerra, empossado no governo estadual, afastou Paulo Freire do Conselho Estadual de Educação.

Sua pedagogia crítica apontou perspectivas para consolidação do  método de alfabetização reconhecido internacionalmente como Método Paulo Freire. A proposta de um alfabetização problematizadora da realidade aponta para a importância da leitura além da decodificação da palavra, mas, como intepretação das questões sociais relevantes para o contexto de vida do alfabetizando. Freire destaca em Pedagogia do Oprimido a necessidade de uma educação que supere o sectarismo e o fatalismo ideológico. Não basta ler que “Eva viu a uva”, enquanto o cotidiano de aprendentes operários fome e escassez são elementos do seu contexto objetivo.  A formação de sujeito para o protagonismo de sua desalienação e conscientização implica na capacidade de questionarem suas próprias condições socioeconômicas.  A criticidade para compreender que a vida em sociedade é carregada de contradições, desmitificação da pobreza, desnaturalização das injustiças sociais são cernes da Educação como Prática de Liberdade e da Pedagogia do Oprimido.

Freire taxado de subversivo pelos militares, foi preso logo após o golpe permanecendo em detenção por 72 dias. Após liberação da prisão política em decorrência da Ditadura Militar, foi obrigado a deixar o Brasil, passou a residir no Chile. Trabalhou no Instituto Chileno para a Reforma Agrária. No exílio Freire escreveu  as obras que considero clássicos, Educação como prática da liberdade (1967) e a sua principal obra, Pedagogia do oprimido, publicada em espanhol, inglês em 1970, em português somente em 1974.

Em 1969, fixou-se nos Estados Unidos, lecionou na

Universidade de Harvard. Passou a morar em Genebra, em 1970, como consultor especial do Departamento de Educação. Na década subsequente atuou também em consultorias educacionais em diversos países no continente africano, retornou ao Brasil em 1980, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) e então tornou-se professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e na Universidade de Campinas até 1990.

Na gestão da prefeita Luisa Erundina, do PT, entre 1989 e 1991 ocupou o cargo de Secretário de Educação do Município de São Paulo, no mesmo ano foi reintegrado ao posto de diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, foi exonerado e expulso em 1964 pela ditadura militar, um regime marcado pela repressão das teorias críticas, prisão e morte de professores, estudantes, artistas ou qualquer que questionasse ou discordasse da conjuntura política. Os detidos eram acusados de comunistas, arruaceiros, semeadores da desordem e do caos.  

Freire aposentou-se em 1991, quando foi criado em São Paulo o Instituto Paulo Freire. Sua travessia terrena encerrou seu ciclo em 2 de maio de 1997, em São Paulo,  exatamente no ano em que ingresso no 1º ano do Magistério de Nível Médio no Instituto de Educação Regis Pacheco, em Jequié e a Professora Cássia Brandão nos apresenta Paulo Freire, sua obra e seu legado histórico.

Sua biografia e legado consolida-o com uma das maiores personalidades da educação no Brasil e no mundo. Freire reconhecido mundialmente, foi homenageado, premiado por sua ação educacional política e humanitária recebendo  em diversos lugares do mundo, é um dos teóricos mais citado em trabalhos acadêmicos.

A dialogicidade da educação envolve a investigação da realidade, preparação dos homens para o plano da ação, para lutar contra os obstáculos que limitam seus próprios processos de humanização (FREIRE,2019).

Paulo Freire é um legado vivo, e quem é Olavo de Carvalho? A quem serve a exaltação do "mito", do salvador da pátria e o seu pseudomoralismo? 

Exorcizar no Brasil os demônios do fascismo que sempre assombram as democracias requer uma unção homeopática com óleo da educação como prática de liberdade, uma pedagogia autônoma consolidada com saberes necessários à prática educativa, elaborados por quem realmente entende de educação. O melhor método é tecido da práxis que se forja nos saberes que nascem da " Escola da vida: Chão nosso de cada dia."


FREIRE, Paulo (1921-1997) Pedagogia do Oprimido, - 71, ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019)


Fabiana Correia Moura, Pedagoga, Mestra em Educação Científica e Formação de Professores, Especialista em Direitos Humanos (UESB), Coordenadora Pedagógica no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Neves Cotrim

 


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Travessias: Ler o mundo com a Anne Shirley

 








 

 O ato de ler não se limita ao texto escrito, a leitura é inerente a nossa existência em fases, etapas e manifestações distintas. Um texto, uma história, um conto, filmes, séries. São experiências diversas de leitura.

 A Anne With na é uma narrativa poética da vida de Anne Shirley, uma menina órfã que, após passar infância  em orfanatos e casas de estranhos, sofrendo abusos e violência ela segue por um acaso ou estratégia do destino para adoção e conviver com um casal de irmãos de meia idade,  um tanto resistentes e temerosos, com passar do tempo, a menina ruiva de 13 anos ressignifica com sua amorosidade, sua leitura de mundo, inventividade e imaginação  a história e existência da Marilla e do Matthew Cuthbert , de toda cidade. O mundo de Anne coloca em debate temáticas como: feminismo, gênero, racismo, bullying e preconceito. Com pitadas de humor, drama, resiliência ela nos convida a pensar quem somos em nossas construções e costuras da vida. A série é baseada no livro Anne of Green Gables, escrito por Lucy Maud Montgomery, a série é transmitida pela Netflix aqui no Brasil.

No dia 20 de março quando foi decretado o estado de calamidade pública e a pandemia a orientação da OMS era o isolamento  social. Começamos o final de semana assistindo filmes até que o trailer da Anne Whith surgiu e nos encantamos. Júlia, minha disse : “vamos assistir mamãe?” Maratonamos uma, duas, três vezes, com toda cautela íamos dialogando e refletindo sobre a vida e a infância daquelas crianças,  como fazemos sempre do nosso jeito e no nosso tempo. Ela é encantada pela Anne e as histórias da Princesa Cordélia. Agradeço a Professora Marivone Borges que deu vida ao desejo de ter a Anne ainda mais perto com sua arte.

** Fabiana C. Moura.

Mãe de Júlia e Maria Luiza, Pedagoga, Psicopedagoga, Mestra em Educação Científica e Formação de Professores, Coordenadora Pedagógica da Rede Estadual de Educação (Bahia) 

Professor da Rede Estadual é semifinalista do Prêmio Oceanos

  RESSURGÊNCIAS do professor e escritor jequieense José Manoel Ribeiro semifinalista do Prêmio Oceanos 2024 Imagine um livro que ressurge da...