quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Projeto Travessias: Entrevista com Ivanildes Moura



Travessia: Quem é você?

Ivanildes Moura dos Santos, mulher preta, professora, escritora , vencedora do premio Zélia Saldanha 2005. Nascida em Jequié, interior da Bahia, filha de Terezinha Moura dos Santos e Antonio Marques dos Santos, ambos falecidos. Estudei em escola pública e fiz  conclusão do magistério em 1987.

Travessia: Qual é sua área de formação, atuação profissional e experiências?

Minha formação em Pedagogia - Uesb / segunda licenciatura em Artes Visuais- Uniasselvi. Pós-graduada em Literatura e Ensino de Literatura/ Especialização  em Antropologia das Culturas afro-brasileiras ambas  pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, atuei na mesma Universidade como pesquisadora do Órgão de Pesquisa em Educação e Relações Étnicas com ênfase em Cultura Afro-brasileira (ODEERE), certificado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

 Em 2006 atuei como Coordenadora do Núcleo  de Educação para a Diversidade Cultural e Étnico e Gênero,  para a implementação da lei 10/.639/2003 na Secretaria Municipal de Educação de Jequié - Bahia.  Por duas vezes como Coordenadora Pedagógica  numa das escolas do município Ensino Fundamental, anos iniciais. Sempre fui apaixonada por teatro, iniciei meu trabalho numa creche  com teatro infantil onde fiz varias adaptações de peças para as crianças. Atualmente trabalho como professora na área de artes visuais e cultura afro brasileira, onde dou seguimento com teatro com as turmas do Ensino fundamental II

 

 Travessia : Como foi a sua infância e o processo de escolarização, gostaria de nos contar fatos marcantes sobre sua infância e sua vida escolar?

Entrei na escolinha aos sete anos de idade; minha primeira professora se chamava Clemilda. A escola era de pequeno porte e estava localizada na mesma rua em que morava. Não era registrada. Nessa época era costume  reunir as crianças em um espaço qualquer, de preferência residencial, para alfabetizar. 

Costumávamos brincar no terreiro da escolinha e tomava lição do ABC, tabuada antes e depois do recreio. A professora era agradável quando queria, mas, não permitia muita bagunça; qualquer “trabalho” que eu desse durante as aulas, ela contava imediatamente para minha mãe que logo providenciava a correção, ainda que eu não fosse uma criança muito conversadeira na escola.

Porém, algo me marcou muito naquela escolinha, não foram às brincadeiras lamentavelmente, nem as histórias ou as lições, mas, a atitude da professora Clemilda que costumava cortar as unhas das crianças quando achava necessário. Certa vez eu fui para a escola com as unhas sujas de terra, provavelmente de tanto brincar no terreiro de casa, na circunstância a professora olhou para as minhas mãos, pegou uma tesoura e decepou minhas unhas até sangrar.

Cheguei em casa chorando, minha mãe não me perguntou nada, só fez pegar minhas mãos, colocou mertiolate e em seguida se dirigiu até a casa da professora que era no final da rua em que eu morava, local onde funcionava também a escolinha. Não sei o que elas conversaram, só sei que minha mãe voltou para casa com uma “cara de missão cumprida” e no outro dia quando cheguei à escola, a professora pegou minhas mãos manchadas de mertiolate, olhou com expressão de arrependimento, depois não se tocou mais no assunto. Diante disso voltei, sem medo, a me divertir na escolinha da professora Clemilda.

No Ensino Fundamental, antigo primário, entrei numa escola “grande” pela manhã. Usava uma saia azul marinho toda pinçada, uma blusa branca com um escudo estampado no bolso, meias brancas e sapato colegial. Meus cabelos sempre bem penteados, partido ao meio com duas trancas e laço de fita. Era meu primeiro dia de aula, enfim minha 1ª serie. O nome do enorme colégio era “Grupo Escolar Jornalista Fernando Barreto”. Não lembro do nome da segunda professora, mas, recordo que era meiga e atenciosa.

Recordo também da cartilha toda ilustrada. O “A” de avião, o “B” de bola e a cada letra o desenho representado. Não era complicado frequentar a escola pois não era longe, ficava na mesma rua em que morava, a única coisa que me irritava era voltar despenteada para casa todos os dias, não porque minha mãe não caprichava no penteado, é que os colegas insistiam em desmanchar meu cabelo sempre com chacota me chamando de nega do cabelo duro. Sem contar as festas da primavera que nunca fui rainha, tão pouco princesa, não sabiam que tais atitudes poderiam ferir, machucar, bagunçar a cabeça de uma criança, inferiorizá-la, o fato era que a escola estava começando a ficar feia para mim, as faces macabras do racsimo naturalizado.

 Na segunda série voltei um pouco esperançosa, tinha nove anos, acreditava que não teriam mais meninos tão perturbados e que me deixariam em paz, não foi bem assim, eu estava maior e minhas tranças também.

A professora da classe passou despercebida para mim, ela não foi tão importante na minha caminhada, mas lembro de um estagiário negro que era muito carinhoso e bastante atencioso, entretanto, os meninos não ajudavam. Eu acreditava que era pelo fato dele não ser o professor oficial da turma. Um fato me chamou a atenção e me deixou bastante triste, o estagiário, que não me lembro o nome, no dia do encerramento, entrou na sala triste e explicando que não teríamos a festa porque sua sogra tinha falecido e sua esposa não estava em condições emocionais para fazer o bolo. Mesmo assim, carinhosamente ele trouxe umas balinhas de jenipapo no saquinho e um bolo de assadeira sem confeito. Alguns alunos atiraram as balinhas no professor dizendo que era cocô de cabra. O professor precisou da ajuda da professora para conter os colegas e foi embora decepcionado. A escola estava ficando mais feia ainda, não sabia como lidar com ela, fiquei cada vez mais calada.

Na terceira serie, minha professora era alta, loira, falava alto e fazia questão de chamar um a um para tomar a lição em sua carteira. Algumas coisas ficaram guardadas nas minhas lembranças, primeiro o nome da professora, Maísa, segundo o texto “O barquinho amarelo”, lição que me levou a aprender a ler, e uma caixa de chocolate que ganhei de presente por ser a aluna mais calada da turma. Claro, sem esquecer da terrível insistência dos meus colegas de me chamar cabelo duro.

Cheguei “quase intacta” na 4ª serie, era 1976, tinha dez anos, estudei com a temível professora Mirian Coqueiro, para o meu desespero eu não era muito boa em matemática, as sabatinas me matavam, detestava aquela professora carrasca. Porém, foi à única que me deu a chance de dançar quadrilha junina, a parte triste foi que meu parceiro, determinado por ela, não compareceu na festa para não dançar com a neguinha. Foi ai que entendi que era diferente por ser negra e que a minha cor incomodava a ponto de ser muito difícil continuar estudar.

Travessia: Quando ou quais eventos os/as impulsionaram a escolha pela profissão docente?

Quando eu era criança ser professora era o maior orgulho de toda a família. Para a minha família não era diferente, eu percebi que além de ser uma profissão que eu admirava  também seria um grande orgulho, para mim e para meus pais. Então segui os passos a minha irmã mais velha e fiz magistério.

Travessia: Em sua concepção qual/quais são os maiores desafio para a profissão docente no atual contexto?

Vivemos num contexto atípico, porem sempre acreditei que ser professor é conviver com mudanças e aprendizados, nesse contexto cabe a nós se reinventar.

Travessia: Como você avalia a atuação do poder público, dos Conselhos Municipais, Sindicatos e sociedade civil com relação à educação pública neste contexto de pandemia?

Embora o contexto exija que se tenha cautela por conta da atual situação, acredito que seja cedo para uma avaliação mais contundente. Ainda assim, esperamos que se tenha uma maior agilidade principalmente para adequação dos espaços físicos das escolas para receber corpo docentes, discentes e trabalhadores colaboradores da educação com condições seguras. Quanto aos conselhos, sindicatos  esperamos uma atuação mais intensificada. No que diz respeito a sociedade civil seria importante melhor formação e  maior participação para o entendimento e buscas pelos direitos civis.

Travessia: Que avaliação você faz sobre o “Ensino Remoto Emergencial”, suas potencialidades e limites para a realidade brasileira?

Sabemos que o ensino a distancia sempre foi uma realidade positiva para o ensino brasileiro, entretanto não podemos negar que o ensino remoto nesse contexto, com proposito de diminuir o impacto do isolamento social,  apega-se na verdade  a improvisação. A pressa exigiu reprodução de material que nem sempre sai como o esperado uma vez que nem sempre o professor domina as tecnologias necessárias e nem sempre têm formação, recursos e habilidades para produzir material de estudos e  entretenimento virtual,  seria necessário um maior planejamento e investimento para essa modalidade. Outro prejuízo está no fato que nem todos os professores e estudantes têm acesso a internet e as tecnologias necessárias.

Travessia: Conte-nos uma experiência ou fato que você considerou mais marcante em sua jornada profissional:

Estava ainda na graduação, era o ano de 2005, quando surgiu o premio literário Zélia Saldanha, oferecido pela UESB, campus de Vitória da Conquista. Eu tinha escrito uma história que falava de uma princesinha negra que nasceu em Aruanda, cujo nome era Azire. A história trazia em seu contexto toda uma simbologia africana. Esse trabalho fazia parte da minha pesquisa de graduação. Fui incentivada por um grande amigo e professor Marcos Aurelio de Souza a inscrever o trabalho. Assim o fiz. Para minha surpresa a historia “Azire: a Princesinha de Aruanda” foi à grande vencedora do premio na categoria infanto juvenil.

Travessia: Na possibilidade de definir a docência em uma palavra, qual seria o termo?

Compromisso e comprometimento

Travessia: Como você avaliou esta experiência reflexiva de escrita de si e narrativa de aspectos de sua vida, formação e práxis profissional?

Sempre fui uma pessoa muito reservada, falar um pouco sobre minha trajetória através da escrita me transporta a uma viagem pelo tempo. São experiências estranhas quando me remoto a minha infância no período da escolarização, uma sensação de perda, algo que ficou inacabado dentro do meu ser, no entanto, ainda que sejam experiências traumáticas foram situações que de certo modo a “troncos e barrancos” me levaram  a reagir buscando cada vez mais meus direitos e como professora lutando para modificar a historia atual. Como dia a grande poetiza Elisa Lucinda. ”Sei que  não dá pra mudar o começo mais se agente quiser, vai dar pra  mudar o final”.

 

Agradecemos a Professora, Escritora, Mulher Preta, Ivanildes Moura, por nos permitir aprender tanto com sua história de vida e formação!

 

sábado, 2 de janeiro de 2021

Travessias e Agendas Antirracistas


 Racismos no Brasil: Costuras Reflexivas

 

O presente texto é fruto das lives realizadas no ano de 2020 relacionadas com a questão do racismo no Brasil. Diálogos tecidos com mulheres:  a pesquisadora e Assistente Social Marília do Amparo Alves sobre o Racismo e os caminhos de enfrentamentos, encontro amoroso e potente com a pesquisadora Maicelma Maia sobre Infâncias Negras, uma conversa de irmãs com Ivanildes Moura sobre Literatura Infantil Afrobrasileira e por fim, a participação no programa Trilha de Saberes com a Psicanalista Ieda Sampaio cuja temática foi “ Consciência Negra.”

Não sou uma pesquisadora com aprofundamentos teóricos sobre a temática, venho me lançando em leituras que me atravessam no contexto e  convocam para agendas existenciais de enfrentamento e diálogos. São contínuas leituras de obras de autores/autor@s como: Abdias Nascimento, Bell Hooks, Sílvio de Almeida,  Djamila Ribeiro, Chimamanda, Conceição Evaristo, Eduardo Bonilla-Silva, Sueli Carneiro, Maicelma Maia, entre outras/os/es. Autorizo-me experimentar esta escrita “ de dentro da minha pele”.

Os fios que tecem nossas memórias e histórias de infâncias negras no Brasil são linhas de resistência. Infâncias costuradas pelos racismos, em suas múltiplas nuances, requintes de dor. Certamente é por isso que o conceito de "dororidade" nos compreende tanto. Uma menina negra, filha de mãe preta retinta e pai branco, de família branca, ou seja, o cenário assimétrico inaceitável para as estruturas coloniais que atravessam este país e reproduz sempre os arquétipos que transitam entre "Casa grande e Senzala". São marcadores do inconsciente coletivo da sociedade brasileira, “do crente ao ateu.” As infâncias negras costuradas pelo racismo estrutural constituem o tecido da minha própria existência.

O sentimento de vergonha e desprezo que era verbalizado pela minha família paterna em virtude da cor da nossa pele, por mais doloroso que seja, é o racismo sutil  o que mais me incomoda. 

Escrever este texto em pleno século XXI, exatamente em 28 de dezembro de 2020 não é por acaso. Após um final de semana marcado por diálogos desgostosos e desgastantes com  “neopetencostais” puramente narcisistas, cutucou de alguma maneira a criança um dia ferida e marcada pelas cicatrizes do racismo e provocou-me a escrever. Aprendi com uma amiga que a escrita é um processo de autocura, mas, também uma ação revolucionária. 

No momento que tomo consciência da minha existência como mulher negra, sobre ser e estar no mundo, autopertença, caminhar de si e para si, anunciando minha própria liberdade , erguendo a voz para enfrentar os olhares e o desprezo, vivo e anuncio meu renascimento, meu grito. É visível que dentro da lógica inter-racial  de forma cônscia ou inconscientemente a "branquitude" é historicamente privilegiada, mas quase nunca  estão efetivamente dispostos a questionar estes modelos e estruturas.

Nas disputas de espaços, de ocupação, de condição de vida e existência o corpo negro sofre as penas do racismo escamoteado pela famigerada narrativa pseudocristã, somos todos irmãos, filhos do mesmo pai, somos humanos, o que basta é ter consciência humana, puro engodo.

O discurso da igualdade entre os “homens” escamoteia a realidade e perpetua as faces do racismo. É na verdade um dos remendos institucionais que descaracteriza os horrores e violências que sofremos de dentro da nossa realidade cotidiana. Os corpos cravejados de balas e encarcerados neste país nos dizem muito sobre os nossos enfrentamentos.  

As infâncias não-brancas são feridas diuturnamente. O fetiche, os abusos, os apelidos pejorativos, os comentários sobre a textura do cabelo, assinalam as assimetrias que costuram os estágios de desenvolvimento de uma criança negra. Sou forjada neste cenário de inaceitação. Uma história tricotada com pontos de pobreza, dor, exclusão e ao mesmo tempo, alegre, resiliente pela correlação de forças, afetos e acolhimento.

A Doutora Maria Eurico, pesquisadora sobre racismo institucional na infância ressalta os impactos do pensamento conservador sobre as crianças brasileiras, na sua condição de gênero, classe que traduz-se em tratamentos desumanos, excludentes, degradantes sobre a vida das crianças e toda esta rigidez moralista desdobra-se em diversas formas de violência que perpassam o cotidiano das famílias.

As minhas travessias existenciais e profissionais como estudante,  professora, pedagoga e psicopedagoga, autorizam-me afirmar que o racismo "individual, estrutural, institucional", atinge visceralmente as infâncias negras. Favorecem as engrenagens neoliberais reprodutoras da segregação e mantenedoras das estruturas que corroboram com uso da “ carne negra” como mero objeto, “a mais barata do mercado” ferramenta de trabalho, incivilizados, coisificados. Neste contexto, como pontua Ailton Krenak, deixamos de ter governos na liderança dos Estados, o comando está nas mãos das grandes corporações. Os empresários e o sistema bancário decidem a vida.

O racismo, enquanto uma das facetas da sociedade moderna, é único, pois ainda estrutura-se por um denominador comum: a exploração de um grupo sobre o outro, a partir de critérios étnico-raciais. Além disso, projeta-se na vida pública, na família, nas instituições, nas ciências, enfim, em todas as esferas das relações humanas (EURICO,2020).

Eurico destaca que é extremamente potente e necessário problematizar a realidade do racismo estrutural como um dos caminhos possíveis, reais e relevantes para transformação da sociedade. A relação raça, classe, gênero toma como base de sustentação o tripé exclusão, precarização e exploração, é o que de fato compõe a moderna divisão social do trabalho. São estes os ingredientes funcionais da engrenagem neoliberal que visa o enriquecimento de uma determinada classe, neste sistema, os corpos não brancos não se enquadram, são meras peças da grande máquina.

Reconfigurar este sistema exige movimentos de mudança nos modos de produzir, nas concepções de necessidades e consumo, redistribuição de riquezas de forma equânime. Este upgrade exige um novo modo de caminhar.

A superação das estruturas racistas, do arquétipo do sujeito universal, do homem branco, rico e bem sucedido, é imperativo. Esta ruptura de obstáculos e problematização dos estigmas implicam em novas formas de construir a educação, escolarização, os currículos, a universidade, a pesquisa, a política, a economia e a gestão pública.

E por fim, “se o racismo se reatualiza, as formas de combate também precisam ser reinventadas.” A escola, as instituições, a política, a sociedade civil não podem se omitir deste debate, sob pena de serem destituídos da legitimidade da organização civil do Estado Democrático de Direito  como espaço de formação e construção da existência humana respeitando biomiméticamente sua natureza diversa e plural. 

Afinal, na lógica do necropoder, “vidas negras” de fato importam? O que nos dizem as estatísticas? O que o Estado Brasileiro, a gestão pública, as instituições têm feito para equacionar a dívida histórica e reconfigurar esta realidade?     

  

EURICO, Maria Campos. Tecendo Tramas a cerca de uma infância sem racismo. Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ. Rio de Janeiro ( 1º sem 2020- n.45.v19,p. 69-83)

 

Fabiana Correia Moura, Mulher Negra, feminista, Pedagoga, Mestra em Educação Científica e Formação de Professores, Especialista em Direitos Humanos (UESB), Coordenadora Pedagógica no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Neves Cotrim


 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A quem serve o olavismo no Brasil?

 

         


Biografia de Olavo de Carvalho?  

 

Caros leitores e leitoras, se você chegou até aqui... Parabéns! Seja olavista, terraplanista, curioso, conhece ou leu alguma “obra”, gosta e ama o grande pensador Olavo de Carvalho, sinto muito te decepcionar, mas, o tal guru é uma verdadeira sabotagem da Ciência, uma assassinato a epistemologia e sobretudo da vida prática de qualquer cidadão, pois, milita contra a dignidade humana e direitos fundamentais. É uma fake filosófica.

Relendo algumas obras clássicas de Paulo Freire sinto-me convocada a recontar esta história. Visitando os baús de memórias freireanas e revirando os tecidos, linhas que costuraram um legado vivo, apresento-te, Paulo Freire!

Quem é Paulo Freire? Que importância têm sua teoria, sua proposta pragmática para a educação, sua leitura de mundo e práxis que extrapola perspectivas minimalista do “método”?

Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, em Recife (PE), filho de Joaquim Temístocles Freire e de Edeltrudes Neves Freire. Foi casado com Elza Maia Costa Oliveira, com quem teve cinco filhos. Após ficar viúvo, casou-se com Ana Maria Araújo Freire.

Aos 22 anos de idade ingressou na Faculdade de Direito de Recife. Na mesma época, durante o curso, iniciou sua caminhada na docência no Colégio Oswaldo Cruz, onde estudou na adolescência. Entre os anos de 1947 e 1954, trabalhou no Serviço Social da Indústria (SESI) como diretor do setor de educação e cultura, no SESI construiu suas primeiras experiências com a educação de adultos, logo foi nomeado como superintendente da instituição de 1954 a 1957.

Concomitante com a carreira no SESI, Paulo Freire assumiu vários cargos públicos. Dentre eles em 1956, foi nomeado membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife e em 1961, diretor da Divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura de Recife.

E o Ensino Superior?  O primeiro contato com a educação superior foi lecionando Filosofia da Educação na Escola de Serviço Social da Universidade do Recife. Em 1959, concluiu o doutorado em Filosofia e História da Educação, sendo nomeado nesse mesmo ano professor efetivo de História e Filosofia da Educação da Escola de Belas Artes. No início da década de 1960, foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular da capital pernambucana.

No ano de 1963, foi nomeado pelo governador de Pernambuco, Miguel Arraes, um dos conselheiros do Conselho Estadual de Educação, um pioneiro na atuação como conselheiro no estado. Os conselheiros foram responsáveis pela elaboração do primeiro regimento do orgão, concluído em março de 1964. No mesmo período atuava em Brasília engajado na construção do Programa Nacional de Alfabetização, quando o Regime Militar depôs o presidente João Goulart no dia 31 daquele mês. Miguel Arraes e o vice-governador do Pernambuco foram presos, no contexto Paulo Guerra, empossado no governo estadual, afastou Paulo Freire do Conselho Estadual de Educação.

Sua pedagogia crítica apontou perspectivas para consolidação do  método de alfabetização reconhecido internacionalmente como Método Paulo Freire. A proposta de um alfabetização problematizadora da realidade aponta para a importância da leitura além da decodificação da palavra, mas, como intepretação das questões sociais relevantes para o contexto de vida do alfabetizando. Freire destaca em Pedagogia do Oprimido a necessidade de uma educação que supere o sectarismo e o fatalismo ideológico. Não basta ler que “Eva viu a uva”, enquanto o cotidiano de aprendentes operários fome e escassez são elementos do seu contexto objetivo.  A formação de sujeito para o protagonismo de sua desalienação e conscientização implica na capacidade de questionarem suas próprias condições socioeconômicas.  A criticidade para compreender que a vida em sociedade é carregada de contradições, desmitificação da pobreza, desnaturalização das injustiças sociais são cernes da Educação como Prática de Liberdade e da Pedagogia do Oprimido.

Freire taxado de subversivo pelos militares, foi preso logo após o golpe permanecendo em detenção por 72 dias. Após liberação da prisão política em decorrência da Ditadura Militar, foi obrigado a deixar o Brasil, passou a residir no Chile. Trabalhou no Instituto Chileno para a Reforma Agrária. No exílio Freire escreveu  as obras que considero clássicos, Educação como prática da liberdade (1967) e a sua principal obra, Pedagogia do oprimido, publicada em espanhol, inglês em 1970, em português somente em 1974.

Em 1969, fixou-se nos Estados Unidos, lecionou na

Universidade de Harvard. Passou a morar em Genebra, em 1970, como consultor especial do Departamento de Educação. Na década subsequente atuou também em consultorias educacionais em diversos países no continente africano, retornou ao Brasil em 1980, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) e então tornou-se professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e na Universidade de Campinas até 1990.

Na gestão da prefeita Luisa Erundina, do PT, entre 1989 e 1991 ocupou o cargo de Secretário de Educação do Município de São Paulo, no mesmo ano foi reintegrado ao posto de diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, foi exonerado e expulso em 1964 pela ditadura militar, um regime marcado pela repressão das teorias críticas, prisão e morte de professores, estudantes, artistas ou qualquer que questionasse ou discordasse da conjuntura política. Os detidos eram acusados de comunistas, arruaceiros, semeadores da desordem e do caos.  

Freire aposentou-se em 1991, quando foi criado em São Paulo o Instituto Paulo Freire. Sua travessia terrena encerrou seu ciclo em 2 de maio de 1997, em São Paulo,  exatamente no ano em que ingresso no 1º ano do Magistério de Nível Médio no Instituto de Educação Regis Pacheco, em Jequié e a Professora Cássia Brandão nos apresenta Paulo Freire, sua obra e seu legado histórico.

Sua biografia e legado consolida-o com uma das maiores personalidades da educação no Brasil e no mundo. Freire reconhecido mundialmente, foi homenageado, premiado por sua ação educacional política e humanitária recebendo  em diversos lugares do mundo, é um dos teóricos mais citado em trabalhos acadêmicos.

A dialogicidade da educação envolve a investigação da realidade, preparação dos homens para o plano da ação, para lutar contra os obstáculos que limitam seus próprios processos de humanização (FREIRE,2019).

Paulo Freire é um legado vivo, e quem é Olavo de Carvalho? A quem serve a exaltação do "mito", do salvador da pátria e o seu pseudomoralismo? 

Exorcizar no Brasil os demônios do fascismo que sempre assombram as democracias requer uma unção homeopática com óleo da educação como prática de liberdade, uma pedagogia autônoma consolidada com saberes necessários à prática educativa, elaborados por quem realmente entende de educação. O melhor método é tecido da práxis que se forja nos saberes que nascem da " Escola da vida: Chão nosso de cada dia."


FREIRE, Paulo (1921-1997) Pedagogia do Oprimido, - 71, ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019)


Fabiana Correia Moura, Pedagoga, Mestra em Educação Científica e Formação de Professores, Especialista em Direitos Humanos (UESB), Coordenadora Pedagógica no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Neves Cotrim

 


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Travessias: Ler o mundo com a Anne Shirley

 








 

 O ato de ler não se limita ao texto escrito, a leitura é inerente a nossa existência em fases, etapas e manifestações distintas. Um texto, uma história, um conto, filmes, séries. São experiências diversas de leitura.

 A Anne With na é uma narrativa poética da vida de Anne Shirley, uma menina órfã que, após passar infância  em orfanatos e casas de estranhos, sofrendo abusos e violência ela segue por um acaso ou estratégia do destino para adoção e conviver com um casal de irmãos de meia idade,  um tanto resistentes e temerosos, com passar do tempo, a menina ruiva de 13 anos ressignifica com sua amorosidade, sua leitura de mundo, inventividade e imaginação  a história e existência da Marilla e do Matthew Cuthbert , de toda cidade. O mundo de Anne coloca em debate temáticas como: feminismo, gênero, racismo, bullying e preconceito. Com pitadas de humor, drama, resiliência ela nos convida a pensar quem somos em nossas construções e costuras da vida. A série é baseada no livro Anne of Green Gables, escrito por Lucy Maud Montgomery, a série é transmitida pela Netflix aqui no Brasil.

No dia 20 de março quando foi decretado o estado de calamidade pública e a pandemia a orientação da OMS era o isolamento  social. Começamos o final de semana assistindo filmes até que o trailer da Anne Whith surgiu e nos encantamos. Júlia, minha disse : “vamos assistir mamãe?” Maratonamos uma, duas, três vezes, com toda cautela íamos dialogando e refletindo sobre a vida e a infância daquelas crianças,  como fazemos sempre do nosso jeito e no nosso tempo. Ela é encantada pela Anne e as histórias da Princesa Cordélia. Agradeço a Professora Marivone Borges que deu vida ao desejo de ter a Anne ainda mais perto com sua arte.

** Fabiana C. Moura.

Mãe de Júlia e Maria Luiza, Pedagoga, Psicopedagoga, Mestra em Educação Científica e Formação de Professores, Coordenadora Pedagógica da Rede Estadual de Educação (Bahia) 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Pelas mãos de Carolina e Conceição: Memórias, Silenciamentos e Resistência





 











   

”Mas de que cor eram os olhos de minha mãe?”

 Fabiana Correia Moura

O que há de mais belo na afroliteratura, ou pelo menos, o que enxergo e vivêncio, é o modo como as “escrevivências” destas mulheres e suas existências me fazem menina e pegam-me pela mão conduzindo ao caminho de retorno a minha infância. Um tempo feliz, de brincar na rua, jogar bola, rir alto, contar histórias e tomar banho pelas águas do Rio de Contas em Jequié na segunda-feira, dia de lavar roupa.

 Estas memórias nos acalentam, pois a face abrupta da escassez, do racismo, da exclusão não faz questão de se esconder, por mais que tentemos nos desviar, as “pulsões de morte”, de medo, caminham paralelas as  “pulsões de vida” disputando espaços nas avenidas da vida.

Assim como Carolina Maria de Jesus, sim, “Meu sonho era escrever “, a escrita de uma ‘ vida experimentada” que Elane Nardoto desperta no tecer da colcha de fuxicos de suas filosofias femininas. “ Escrita de si’.

O século XXI é reconhecido como a era do conhecimento, a contemporaneidade é desenhada como um grande axioma complexo formado por conexões subjetivas, emoção, saberes, sentimentos, memórias.

Percebemos um movimento acelerado do tempo. Mas, o que é tempo? Autoquestionamos sobre a constituição da nossa própria realidade? A sensação que temos é que essa nossa “ humanidade “ líquida, volátil transitória submergiu aos encantos e seduções do capitalismo industrial, o status quo, o ter para existir. Os marcadores de sociabilidade da sociedade do consumo interpretam a felicidade nos projetando para fora de si.

Somos tomados pela inaceitação dos nossos corpos, ancestralidades e identidade para assumir as projeções dos padrões eurocêntricos e colonialistas e muitas vezes racistas. O padrão de beleza, as marcas e etiquetas das roupas, a moda hegemônica, os discursos naturalizados materializam uma existência que nos fere, nos adoece e nos mutilam.

Precisamos resgatar quem somos, nossas memórias silenciadas, enterradas ou esquecidas. Vamos abrir os nossos baús, a felicidade está guardada dentro deles, as notas de esperança que buscamos nas projeções externas estão em nós, é preciso coragem para explorar as memórias subterrâneas, vozes silenciadas, choros engolidos e aceitar o desafio que produz transcendência e fé, no sentido mais amplo e pleno da palavra.

O Quarto de Despejo, o diário da vida difícil na favela, não é um romance para simplesmente embalar o sono numa noite de verão ou um dia frio de inverno. É um convite a nos deslocar para dentro e reconhecer nosso papel na trama social elaborada nesta travessia. Carolina compartilha, “Fui catar papel, mas estava indisposta. Vim embora porque o frio era demais. (Jesus, 1993, p. 22). Muitas de nós, Carolinas Marias, nos furtamos da “escrita de si” e da nossa própria história, perdemos a sensibilidade de pensar no frio dos outros/outras, na dor alheia, pois não nos damos conta do frio que enrijece a nossa empatia e solidariedade.

Em meio aos tremores de terra, os redemoinhos da vida, os partos e renascimentos, “ As escritas de si revelam formas e sentidos múltiplos de existencialidade singular-plural, criativa, inventiva do pensar, do agir e do viver junto (Josso, 2007).   O encontro com nossa criança interior pode ser libertador na proporção que nos comprometemos com o processo autocurativo.

Pelas mãos de Carolina e Conceição e o “brilho dos olhos de mainha” rainha, mãe preta, que ensina em sua doce paciência e na harmonia de sua culinária que a vida é uma coleção de momentos doces, amargos outros sem qualquer sabor.

Por fim, pelos “Becos da Memória” entre desconstrução e reconstruções, “Homens, mulheres, crianças que se amontoaram dentro de mim, como amontoados eram os barracos de minha favela” (Evaristo, 2006, p. 21.) Todos eles são constructos em minha identidade.

A narrativa do verbo encarnado, O Cristo vivo, “Amarás o Teu Próximo como a ti mesmo”, tem como premissa o autoconhecimento. A amorosidade interpretativa da nossa própria existência nos autoriza a exercer o amor como práxis, o fazer-si em amor, acolhendo a si e o diverso, superando os estigmas, os padrões minimalistas instituídos pela lógica proselitista.

Pelas mãos de Carolina, Conceição Evaristo, Zenaide[1], Dandaras, Marias e Marielles confrontamos as velhas diásporas e nos passos da resistência e transcendências às cicatrizes recompomos nossas memórias e reconstruímos nossas identidades.     

 

Eu disse: o meu sonho é escrever! Responde o branco: ela é louca. O que as negras devem fazer... É ir pro tanque lavar roupa.  

Carolina Maria de Jesus

EVARISTO, Conceição, Becos da Memória. Belo Horizonte: Mazza, 2006.

EVARISTO, Conceição Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.

JESUS, Carolina Maria de Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática,1993.

JESUS, Carolina Maria de. Meu sonho é escrever...contos inéditos e outros escritos. Organização: Raffaela Fernandez. São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial, 2018.

JOSSO, Marie-Christine. transformação de si a partir da narração de histórias de vida . Revista Educação Educação Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63), p. 413-438, set./dez. 2007

RIOS, Elane Nardoto, Filosofias Femininas: da vida experimentada. 1ª ed. Ibicaraí Bahia, Via Literarum, 2020.



[1] Dedico este texto a minha mãe, Zenaide Santana Correia, mulher negra, feirante, forjada de luta,  sonhos e amorosidade.


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Magnólia: Das Mulheres que me atravessam

 


Da série “Mulheres que habita em mim” a maravilhosa geógrafa, mãe, professora e ativista Magnólia Gomes é mais que uma colega de trabalho, é uma daquelas mulheres que a vida nos apresenta como uma verdadeira irmandade. Acredito que advém da ancestralidade comum, um encontro de histórias em seus ciclos no tempo. Em uma das nossas conversas sobre nossos atravessamentos nesta Pandemia, ela me responde com uma mensagem de força e esperança.

“Pensando seriamente sobre esta pandemia, cheguei a seguinte conclusão: que realmente “A vida é uma sucessão de sucesso e insucessos que se sucedem sem cessar". Onde infelizmente também passamos por situações adversas como esta de agora e descobrimos que não estamos preparados para enfrentar tamanha dificuldade, mas, que precisamos buscar dentro de nós mesmas resiliência para darmos continuidade a nossa história.

E como uma fênix, precisamos criar forças para ressurgir das cinzas dessa pandemia, buscando uma nova forma de vida mais tranquila, menos corrida, voltada para a família e para Deus. Nos enchendo de mais empatia, humildade e com mais esperanças de dias melhores.

Tudo passa e essa tempestade vai passar e vamos retomar as nossas vidas com um olhar mais humanizado e mais solidário, no que diz respeito a tolerância, empatia e  enfrentamento as desigualdades sociais.”

Magnólia Gomes, Geógrafa, Artesã, Professora da Rede Estadual da Bahia, Presente!


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Travessias Formativas: Edigar Morin e Aillton Krenak



Entre “Um Festival de Incertezas” e “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”

 

Refletir sobre a natureza complexa da vida e da existência humana não é um exercício minimalista, ou simplório. Nem sempre estamos preparados para o mergulho interior necessário para nos provocar a pensar e desconstruir verdades que considerávamos inabaláveis. Nós estudamos História e observamos os cenários devastadores das guerras como espectadores diante de um filme.  Sinto que minha geração, em sua maioria, não conseguimos sentir cortar a nossa própria carne e nem consideramos isso necessário. 

Perante a leitura do artigo “Festival de Incertezas”, e esta fala fortemente provocativa como todo constructo filosófico de Edgar Morin:

 

"É TRÁGICO que o pensamento disjuntor e redutor

reine soberano em nossa civilização

e detenha

o comando tanto na política e na economia." 

 

 Questiono-me, qual é o meu, o seu, o nosso papel como protagonistas das incertezas e do caos? Remeto-me a obra do Ailton Krenak, Ideias Para Adiar o Fim do Mundo, penso, em que momento nos distanciamos tanto da nossa condição de humanidade? Pergunto-me que espécie de " humanidade" é essa defendida pela perspectiva imperialista, neoliberal  e excludente.

Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim (KRENAK,2019)

Estamos dispostos a nos alistar na luta por justiça social e equidade? Estamos abertos a sonhar, dançar na chuva, escutar o som da mãe terra? Somos formados para planejar nossos currículos com emaranhados de conteúdos para uma realidade de incertezas? Nos questionamos, como o conhecimento científico ganha sentidos e significados em pleno “FESTIVAL DE INCERTEZAS”? É possível reconhecermos a ciência como caminho para nossa humanização, de transformação social e produção de novos estilos de vida, de consumo, de produção? 

 

“Esta é a ocasião para compreender

que a ciência, diferente da religião,

não tem um repertório de verdades absolutas

e que suas teorias

são biodegradáveis sob efeito

de novas descobertas “

 

A Educação para o século XXI, mais especificamente o espaço escola precisa se constituir como Residência de Aprendizagem Colaborativa, espaços multidisciplinares de estudos de caso, pesquisa, leitura, construção do conhecimento científico, contação de história, danças, canais no youtube etc, tudo que a criatividade humana for capaz de desenvolver numa perspectiva holística e integradora,  mas, sabemos que não basta reconfigurar o espaço-escola, é preciso fortalecer como princípio básico uma nova estrutura econômica e política.

Pensar a economia por outras perspectivas envolve caminhos que perpassam por uma educação para conhecer o neoliberalismo em seus efeitos nefastos. Reconfigurar os padrões de consumo, os iderios de riqueza, o conceito capitalista de felicidade.  Para tanto, é necessário nos educar interiormente para promover ambientes catalizadores de aprendizagem e engajamento,  para a  construçao de novos cenários, assim pode ser que seja possível, "Adiar o fim do mundo" apesar do cotidiano nos colocar sempre frente a este "Festival de Incertezas."

 

"Na carência dos poderes públicos, identifica-se também uma profusão de imaginações solidárias: produção alternativa para a falta de máscaras por empresas reconvertidas ou por confecções artesanais, reagrupamento de produções locais, entregas gratuitas em domicílio, ajuda mútua entre vizinhos, alimentação gratuita aos sem-teto, cuidado das crianças. A mundialização criou uma interdependência, mas sem que tal interdependência fosse acompanhada de solidariedade”

 

Em suma, como nos propõe Ailton Krenak, Certamente os povos indígenas e tradicionais podem nos guiar através de sua experiência, não apenas de sobreviver, mas de reconstruir pela natureza a orientação para a vida, “uma nova humanidade” Penso que a educação em redes colaborativas e a economia solidária apresentem-nos novos mundos possíveis.

 

KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. Companhia das Letras. São Paulo, 2019.

Esta edição eletrônica do livro Um Festival de Incertezas de Edgar Morin foi produzida no dia 21 de abril de 2020 pela editora Gallimard.Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/599773-um-festival-de-incerteza-artigo-de-edgar-morin


Fabiana C. Moura
Pedagoga, Psicopedagoga, Mestra em Educação Científica, Especialista em Direitos Humanos e Democracia, 
Coordenadora  Pedagógica da Rede Estadual de Educação - Bahia
Professora da Rede Municipal de Poções

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Travessias em Educação: Entrevista com Dominguinhos


Autografando ... Anésia Cauaçu




 

Nome completo:

Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho

Área de formação e especializações:

Licenciado em Letras, especialista em Literatura e Ensino da Literatura pela UESB  mestre em Memória Social e Documento pela UNIRIO.

Cite dois ou três fatos marcantes sobre sua infância e sua vida escolar:

Na minha infância destaco o conto que escrevi, aos 6 anos de idade, sobre o velho Pedrão. Pedro era o único nome que ele tinha. Vinha de Palmeira dos Índios, terra   onde o escritor Graciliano Rocha foi prefeito, e pertencia a um grupo indígena dessa localidade em Alagoas. Conheceu Lampião e Padre Cícero. Chegando no sertão de Jequié se tornou trabalhador rural da roça de meu pai. Um carro O atropelou  quando ele e meu pai estavam montados em cavalos. Por ter quebrado a “bacia” não pode mais trabalhar. Para poder ter uma certidão de nascimento e  direito a  aposentadorias, pai  criou um sobrenome para ele: Januário de Freitas  ( Dôga era inventivo e dizia que no “norte” tinha muita gente com esse sobrenome).  Seu Pedrão  passou morar em uma casinha ao lado de minha casa. O velho Pedrão acendia o cigarro triscando uma rocha na outra como faziam os povos nativos e ia no mato onde é hoje o Loteamento Sol Nascente apanhar varas para produzir arco e flecha, instrumentos que eu usava para representar em brincadeiras cênicas o indígena. Com as histórias que ele contava, produzi um conto aos 6 anos sem ter consciência naquela época do gênero literário que tinha escrito. Aprendi com aquele velho índio, um acervo vivo da tradição oral,  a contar  histórias.

Destaco na vida escolar o lançamento da primeira publicação, um livrinho, o conto “Pura”, quando tinha 17 anos na Feira de Ciências e Cultura, em 1987, no IERP, organizada pelo professor Wilson Rocha Filho (em memória).

Quando e quais eventos os/as levaram a escolha pela profissão docente?    

As aulas do professor José Carvalho de História, o método dele em ministrar as aulas contextualizando os fatos históricos com a história  de vida das personagens,  relacionando a outros fatos, levaram-me a ter vontade de ser professor. Métodos também de ensinar  de professores como  Maria Afonsina e Raimundo Matos dentre outros influenciaram na minha decisão de seguir na carreira de professor.  Ter ouvido em eventos pessoas da qualidade  de   Paulo Freire e  Eduardo Galeano influenciaram em muito também a escolha da profissão docente.   

Qual aspecto/fato que em sua concepção é o maior desafio para a profissão docente?

É conseguir sensibilizar aquele aluno que está na sala conversando, fazendo barulho enquanto eu ministro aula. Fazer com que ele tenha consciência de que ele não está prejudicando somente o professor e seus colegas de sala, mas a si próprio, é o maior desafio.

E qual o maior prazer, aquilo que emite alegria sobre o fazer docente?

É saber que aquilo que ensinamos levou  ao processo  evolutivo  do estudante. É encontrar ex-alunos que dizem: “Professor, aquele trabalho de redação que o senhor fez em sala de aula  foi importante para que eu passasse no vestibular, na seleção de mestrado, na seleção pública...” 

“Aquele livro que o senhor  indicou  foi fundamental para que eu passasse a gostar de ler”. 

Descreva a Profissão Docente em uma palavra.

Aprendizagem.


Dominguinhos é um retrato poético do município de Jequié! 

Gratidão meu querido amigo pela partilha.




Professor da Rede Estadual é semifinalista do Prêmio Oceanos

  RESSURGÊNCIAS do professor e escritor jequieense José Manoel Ribeiro semifinalista do Prêmio Oceanos 2024 Imagine um livro que ressurge da...