terça-feira, 28 de junho de 2022

Concurso da Rede Estadual de Educação (SEC/BA 2022)



O Travessias trazendo boas notícias! Finalmente o concurso da Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC/BA) já definiu a banca.  Conforme a fala  do  governador da Bahia, Rui Costa,  nesta terça-feira na live do Papo Correria,  a Fundação Carlos Chagas (FCC) será a empresa responsável para organizar o certame.

Finalizadas as etapas burocráticas iniciais, a contratação da banca responsável pelo certame, a publicação do edital agora só vai depender da publicação da contratação efetivada.

Foi publicado no Diário Oficial ( DO) o extrato para contratação da banca organizadora. 

 O Governador afirmou:

"O concurso para professores no estado da Bahia, será focado especialmente naquelas cidades menores e mais distantes, onde nós queremos preencher as vagas que, normalmente, em um concurso maior que inclui cidades grandes não viram objeto de desejo das pessoas que fazem concurso"


Quando sai o edital?

Os  preparativos já foram iniciados. Já estamos articulando um concurso para professores. Já comecei a conversar com o Secretário da Educação e vamos fazer um concurso focando e direcionando as vagas para as cidades com mais carência, que são as cidades do interior. 

Fiquem atentos e atentas aos territórios no ato de inscrição.

Atualmente Danilo Melo de Souza responde pela pasta da educação baiana.





Fabiana Correia Moura
Pedagoga, Mestra e Doutoranda em Educação Científica e Formação de Professores
Coordenadora Pedagógica
 





 

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Travessias do Nature Festival

 


           Nature Festival 2022 – CPM Jequié

       “ Um professor e um sonho, um sonho e um professor”

 

O Nature Festival foi  uma proposta pedagógica interdisciplinar sonhada, idealizada e construída pelo professor Wesley Menezes ,  ministrante do componente curricular de Física no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Neves Cotrim. Ele desejou, acreditou, enfrentou desafios e compartilhou o propósito.  A direção e toda comunidade escolar abraçou a proposta, respeitando as possibilidades, desejos e limitações de cada pessoa. O Projeto ampliou ações pontuais e trabalhos  propostos pelo Projeto Político Pedagógico do CPM-Jequié.

O Nature Festival foi apresentado na Jornada Pedagógica e  culminou as ações desenvolvidas no decorrer do primeiro semestre de 2022. A programação aconteceu nos dias 11 e 14 de Junho, de 2022. O evento contou com: exposição de  trabalhos científicos, gincana estudantil, festival de música, campeonato de xadrez, apresentação de produtos e protótipos envolvendo tecnologia, inteligência artificial, formação sociocientífica , bem como, exploração dos campos artísticos, teatro e música.

Na mesma perspectiva, abordou temas como: a química no cotidiano, questões sociocientíficas, dignidade menstrual, dentre outros. A ação solidária e de responsabilidade social anual, marca cultural da instituição, foi maximizada com sucesso,  na  arrecadação de alimentos, produtos de limpeza, higiene pessoal e com a  campanha de doação de sangue. 

A novidade este ano foi incorporar a coleta de absorventes, visando colaborar com o Projeto Coletando Amor, coordenado por Jamile Cardoso, no enfrentamento da pobreza menstrual nas zonas rurais e periféricas de Jequié. O público principal da doação dos absorventes arrecadados neste evento foi o Assentamento Santa Cruz. 

O empenho dos estudantes, das famílias e da comunidade escolar em geral, conseguiu levantar em média seis toneladas de alimentos na gincana, além da arrecadação de itens específicos no Forró Solidário. Inúmeras instituições de ação social em Jequié e região foram contempladas com as doações. Para saber quais instituições, acompanhem as postagens no instagram oficial do Colégio: @cpm.jequie.

Por fim, congratulamos com a poesia do artista Francês Jean Cocteau, 


"Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez."

 

 

Fabiana Correia Moura

Mestra e Doutoranda em Educação Científica e Formação de Professores

                Coordenadora Pedagógica

            @fabiiana.moura








 

 

 


quinta-feira, 26 de maio de 2022

Lançamento do E-Book Formação Docente e Práticas Pedagógicas ( IFBA-CAMPUS JEQUIÉ)




Fotos: @ifbajequie



Roda de Conversa – IFBA Jequié

A Importância das Pesquisas em Educação

Por Fabiana Correia Moura

Pensar, dialogar, sentir a Pesquisa em Educação é exercício de construção de saberes que perpassa pela nossa constituição como gente, ser pessoa. Não compreendo a pesquisa como processo linear e empírico, não somente pelo mar de teorias e epistemologias que deixam evidente que não há neutralidades ou imparcialidades no ato de pesquisar, ainda que pela racionalidade tecnoprática, existe em nós as marcas, ou notas da experiência, vida, desejos, latentes, pulsantes. Abstrações que como diria Gaston Bachelard, a matematização não daria conta de significar esta manifestação da vida que se consagra no ato de conhecer. É uma espécie de gestação, somos fecundados por um saber embrionário, que se expande, causa desconforto, é doloroso, rasga e sangra... é um parto.

Quando convidada por Elane Nardotto, para fazer parte da mesa, me emocionei, sim, ocupar um espaço de diálogo, protagonismo, narrativa em partilha sob a benção do espírito da comunidade, me faz sentir-me honrada, sobretudo por ter participado de algumas bancas de defesas destes trabalhos, pela leitura ainda que flutuante do livro digital que carrega em suas páginas o caldo saboroso, temperado, com ingredientes bem selecionados por quem sabe o que é o Chão da Escola.

O Chão da Escola, pesquisa-formação, pesquisa-ação, são costuras sempre tecidas ultimamente, e neste movimento estou me descobrindo nos diálogos sobre autoformação, neste lastro me proponho a pensar sobre quem sou, as intersubjetividades que me tocam neste movimento de ser e viver o cotidiano deste lugar-mundo-educação.

Larrosa nos convida a questionar os sentidos e significados que temos construído no exercício da docência. Que nem sempre o melhor argumento, a narrativa aparentemente mais interessante é embebida pela experiência-palavra-vida. Talvez, seja este o nosso maior desafio. O pluriverso se constitui pela palavra.

“Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece.

Somos constituídos a partir da energia do pensamento que se torna comunicável ao mundo externo. Nossos discursos são carregados de subjetividades, logo, de experiência, mas, que experiência, qual experiência?

Larrosa nos diz que “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece.”

Parafraseando Alan Chalmers em O Que é Ciência, afinal, questionando os paradigmas, suas estruturas, sua rigidez, flexibilizações, incompletudes, estruturalismos. Trago na mesm guisa reflexiva: O que é Pesquisa, afinal? Que importância tem a pesquisa em Educação? Seja no campo da Formação de Professores, nos debates sobre currículos, nas análises de sequências didáticas, nos estudos em Educação Inclusiva, Gênero, Sexualidade, Educação para as Relações Étnico-raciais. A pesquisa é uma perspectiva de análise sobre a realidade, por meio dela aguçamos os olhares pluriversos, redimensionamos as lentes de análise, contribuímos com a construção de saberes, conhecimentos, aportes teóricos que pulverizam práxis, por vezes, limitadas, destoantes, contraditórias. E o que somos na vida? A tessitura dos paradoxos, inacabamentos, inconclusão. Como diz Larrosa, somos sujeitos expostos pela experiência.

O ato pesquisante, formativo extrapola o problema, a justificativa, os objetivos, o referencial teórico, a metodologia e as referências bibliográficas, o texto escrito é o recorte de uma experiência muito mais ampla, carregadas de leituras, debates, discussões, inquietações, medos, desânimo, resiliência, coragem, autonomia, colaboração, sororidade, re(existências), como diz Elane antes da pesquisa, a vida acontece.

Proponho outras tecelagens, escrutínios do ser/existir/pensar/devir...

O E-book Formação Docente e Práticas Pedagógicas, não apresenta somente novas teorizações ou modelos didáticos, mas, propõe construção de novas travessias, perspectivas, propostas para o fazer didático, forjar sentidos outros para o fazer docente e a escola, pela emergência da Pesquisa Científica como espaço de todos, principalmente, nós docentes da educação básica.

As problematizações e teorizações postuladas para este e-book, como evoca bell hooks, é um chamado imperativo para transgredimos os modelos e transitarmos das margens ao centro. É sobre amorosidade revolucionária.

As Pesquisas em Educação cooperam para construirmos caminhos entre a rigorosidade metódica e a curiosidade intelectual que move o sujeito cognoscente como propõe Paulo Freire.

“A rigorosidade intelectual e o exercício da curiosidade epistemológica não podem nos tornar um fatalista sobre a realidade, ou assumir uma postura arrogante. A mentalidade científica é um movimento que se desenha em costuras e alinhavos diversos.  Entre unidade da Ciência e a teia complexa do conhecimento de leis que regem a órbita do universo, possamos cocriar condições para formar cientistas e gentes, gentes e cientistas.”

 Fabiana Moura, Pedagoga, Professora, Palestrante, Mestra e Doutoranda em Educação Científica e Formação de Professores (UESB-Jequié) 

Aprendiz de blogueira!

Grupo de Estudos e Pesquisas Impressões

 

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Para minha avó...Saudades

 



Minha avó partiu deste plano dia 20 de outubro. Deixou em nós marcas profundas de saudades. No dia, 30 de dezembro, atuando como voluntária no Instituto Diego Santos, conheci uma idosa que foi acolhida em situação de vulnerabilidade total, efeito das condições econômicas e pelo impacto dos alagamentos na área total do local em que reside, o Mandacaru 1 e 2, decorrente das chuvas no de 24 a 26 de dezembro na Bahia . 
Quando olhava em seus olhos, escutava o relato das suas dores, rememorei a vida da minha avó. Edelzuita Maria, ou simplesmente Delza. Uma mulher destemida, conheceu de perto  escassez, enfrentou as opressões machistas num contexto marcado pelos silenciamentos e subalternização de mulheres negras. 
Escrevo neste lugar, para que no  futuro, ou quando meu corpo  não mais estiver presente neste plano, a posteridade, especialmente, minhas filhas, saibam sobre nós, nossas raízes ancestrais. Como diz Dona Sueli Carneiro, " Nossos passos vêm de longe." 
O Travessias é um blogue, um território onde registro algumas histórias, vivências, percursos. Nasceu em 2020, ano da Pandemia do Corona vírus. Acredito que a escrita é processo de autocura. Quando escrevo sobre minhas, nossas, experiências, dores, alegrias que nos atravessam, me reconecto com minha ancestralidade.
Nos olhos de uma idosa revisitei memórias de uma vida compartilhada com Dona Delza. Apesar da escassez e das dificuldades... Lembro-me do café no cair da tarde filtrado em coador de pano, feito no fogão de lenha, a banana  assada na chapa , o andú cozido com carne seca, os pedaços de charque marcados com palito que eram os reservados para atender minhas preferências,  como era gostoso, principalmente pelo modo de dizer: "eu te amo, tenho admiração." 
Ela estufava o peito para dizer, minha neta é formada, eu não aprendi fazer um "O" com a garrafa. Eu fui a primeira do nosso núcleo familiar com formação universitária, consequência das condições sociais que criam obstáculos para que a juventude pobre e periférica alcance o Ensino Superior completo.
Honro minhas ancestrais, minha mãe, avó, tias. Sou grata por todos os esforços, ensinamentos, acolhimento, amor.
Escrevo pois a escrita me cura. Vivo em Estado de Poesia.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

" E por quê um mês da Consciência Negra?"


Hoje a Secretaria de Cultura, Secretaria de Desenvolvimento Social, Unegro, Artistas, Escolas e comunidade em geral se reuniram na Praça dos Poetas, Alto da Prefeitura de Jequié para culminar as atividades do Novembro Negro.

 Na oportunidade mediei um momento de reflexão, por certo, necessário:

  " E por quê um mês da Consciência Negra?" 

Tecemos um percurso a partir de quem somos, da vida, da infância na Feira Livre em Jequié, dos lugares que nos forjaram na luta, nos enfrentamentos. 

Para incendiar a fogueira e dizer basta a celeuma da Consciência Humana, a gente responde com  Poesia:


Até quando?

Até quando assistiremos o genocídio de jovens negros

 "deitados eternamente em berço esplêndido"? 

Até quando nossos sonhos serão aniquilados com o braço da violência 

e do racismo estrutural e institucionalizado neste país? 

Parafraseando Elza Soares... 

Até quando  " A carne negra será a carne mais barata do mercado? 

Até quando eles vão abordar a juventude negra 

Entregando-lhes sentença de morte e destruindo famílias?

 

Até quando eles derramarão o nosso sangue 

em seu projeto “civilizatório” 

que nos considera seres sem alma, 

sem intelecto, sem sonhos?

 

Até quando seremos um pedaço de carne que possa ser abatida

sem perguntar se tenho família, 

nome, sobrenome?

 

Que cidadania é essa?

 

 Eu choro com todas as mães

Eu choro com famílias,

Choro com João Pedro, Dandaras, Mirtes e Marielles.

 

 Cada vez que elegemos genocidas para a gestão pública

 seguramos a arma que abate povos negros e vulneráveis,

 pois, o crime no Brasil tem cor, etnia e classe social.

Até quando?

Fabiana Moura, Pedagoga, Especialista em Direitos Humanos, Mestra em Educação Científica 

(UESB – Jequié)

 


 

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

“Mulheres e Mães Nas Ciências em Escrevivências”

 

        Fonte da imagem: https://www.instagram.com/p/CSagf7Lnkxh/

Viver é travessia, trago esta fala como máxima existencial. Após escutar a  Doutora Bianca Santana na Roda de Conversa  do Grupo de Estudos e Pesquisas Oju Obìnirín, que em idioma iroubá significa Olho de Mulher, passei a semana com uma voz na cabeça dizendo: escreva! Aqui estou.

O Observatório de Mulheres Negras é um quilombo em convergências de fé, força, coragem, acolhimento.  Um coletivo tecido por afetos, pesquisas, costuras infinitas, coordenado pela Doutora Núbia Regina Moreira e a Doutora Francislene Cerqueira.

Na terça -feira, 10 de agosto, aconteceu A Roda de Conversa Pensar, Sentir, Viver, Escrever, Fazer, Divulgar a Pesquisa com a apresentação “Escavações e Escrevivências das Memórias de Mulheres Negras” com a pesquisadora, jornalista, escritora Bianca que me permitiu uma reconexão com minhas ancestralidades de um modo mais profundo, reconectei-me com memórias e cicatrizes. Com uma enorme, transcendental diferença, não mais no lugar da dor, mas, da potência da escrita de Mulheres que desde 2015 me lançaram numa jornada de autoconhecimento e autocura. Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, bell hooks, Chimamanda, Núbia Regina, Sulei Carneiro dentre outras me reconstruíram num processo de autopercepção e sobretudo, em literalmente “ Me descobri negra”          lendo Bianca Santana. 

  Após devorar a Obra Vozes insurgentes de mulheres negras (https://biancasantana.info/livros/) indicado pela Bianca na roda eu decidi compartilhar um recorte da minha vida, que talvez, seja farol na vida de outras.  Quem já passou aqui pelo Blogue Travessias ou me conhece de perto sabe que estou na educação desde 1999. Na verdade, em 1997, quando inicio o Magistério de Nível Médio, no antigo Instituto de Educação Regis Pacheco, aos 17 anos de idade, dei início a jornada pela profissão docente.

 A primeira experiência como regente de uma sala de aula aconteceu aos 18 anos numa classe de Educação de Jovens e Adultos, a mesma turma que fiz o estágio de conclusão do curso, vocês podem imaginar qual era a cor/etnia da maioria dos alunos dessa turma? Me lembro como hoje, homens e mulheres negras em sua maioria. Em 2003 quando pensava em cursar Direito ou Ciências Biológicas, cursos elitizados no contexto de 2002, a realidade bateu em minha porta e lendo o Manual do Candidato da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), na agência dos Correios, eu decidi fazer vestibular para o curso de Pedagogia. A descrição do curso moveu inquietações dentro da minha cabeça, algo me dizia que era o percurso a ser trilhado.

No decorrer da minha formação as leituras, as discussões e a própria identidade do curso evidenciava a formação para atuar na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na função de Coordenadora Pedagógica como descrito o no manual do candidato.  

Depois de concluir o Magistério, também durante a licenciatura atuei em na rede privada como professora alfabetizadora e em instituições não-formais como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Em 2007, prestei concurso público para Rede Municipal de Poções e fui aprovada.

Ministrei aulas na Educação Infantil, Ensino Fundamental, classes multisseriadas etc. Na Educação do Campo atuei como Educadora Ambiental no Programa Despertar, este projeto em Educação Ambiental me rendeu uma “paixão” profunda pelo campo, pela zona rural, por aquela comunidade em Poções, o Assentamento Jabuti. Me entreguei ao ponto de fazer uma especialização na área de Educação Ambiental, fui contemplada em 2011 com premiação em primeiro lugar com a melhor experiência pedagógica no município pelo Programa Despertar, acabei doando o prêmio para a associação da comunidade do Jabuti. Em 2014 conclui a especialização em Direitos Humanos e Democracia na UESB-Jequié.

Em 2012, ensinando Ciências numa turma da Educação de Jovens e Adultos, me deparo com questões que me atravessaram e fiquei grávida do meu objeto de estudo. Aliás, literalmente grávida, em 2012 e 2013, enfrentei duas gestações sem sucesso, os filhos ou filhas que ainda não conheci não nasceram e o mestrado também não. Resumo da ópera, não fui aprovada nas quatro tentativas.

Em 2014, quando descubro que tinha cálculos na vesícula biliar na emergência de um hospital em Feira de Santana,  em seguida, prestes a passar pela cirurgia de retirada do órgão descubro que estava duplamente grávida: de Júlia minha filha mais velha e do meu objeto de pesquisa que começou a tomar alguns delineamentos depois que ingressei como aluna especial no Programa de Educação Científica e Formação de Professores da UESB-Jequié em 2013, na disciplina Análises de Dados Qualitativos com o Professor Doutor Bruno Ferreira.

Em 2014 passei pela seleção, fui aprovada, no mesmo mês em que saiu o resultado, Júlia nasceu.  Após o parto passei a ter crises semanais por conta dos cálculos na vesícula biliar que provocou coledocolitíase, ou seja, obstrução do colédoco, pancreatite, internamento, cirurgia de emergência e a bile drenada em um recipiente com um cateter enfiado no colédoco. Neste estado, fui fazer a matrícula no mestrado. Estava usando o dreno ainda e minha irmã caçula, Andreia me acompanhou segurando o recipiente, ao mesmo tempo mainha, Dona Zenaide, uma mulher preta infinita olhava a neta pequena. E o marido, o pai preto trabalhava.  Neste ensejo eu já começava a trocar e-mails com a professora Doutora Daisi Teresinha Chapani, minha orientadora. 

Em março, retirei o dreno que me rendeu mais uma semana de internamento em um Hospital em Jequié, que por sinal, se não fosse a teimosia do médico em me internar eu não estaria viva para escrever este texto. O pâncreas, fígado estavam detonados por conta da bile vazada na retirada do dreno. O susto foi grande, mas, nos recuperamos. Então, me lancei na jornada dupla de cuidar das duas crias, o mestrado e a pequena Júlia, minha jujuba.

Segui em frente, cursei as disciplinas, fiz estágio de docência no Ensino Superior, realizei a coleta de dados, consegui um trampo como assessora pedagógica numa Instituição de Ensino Superior privada, fui chamada numa seleção para dar aulas na rede estadual, entre a sobrevivência, comida no prato, saúde e formação, “nós damos nossos pulos”.

Nós maternamos em redes, ninguém materna sozinha, assim como ninguém aprende só nesta vida.  Eu mesma não sabia direito o que era ser mãe, aprendi na prática, assim como sigo aprendendo que  ser uma pesquisadora numa sociedade racista, machista, patriarcal, capacitista e excludente, para a mulher preta,  ser mãe e fazer pesquisa, trabalhar, dar conta dos boletos,da sobrevivência, autocuidado e de viver, é babado, só acontece mesmo nos aquilombando.

 Foi assim, titubeando, errando, cometendo deslizes, tropeçando, me levantando, afetando e sendo afetada, qualifiquei-me em setembro de 2016, defendi em maio de 2017, sou grata a Professora Daisi pela orientação, o suporte, os conselhos, puxões de orelha, pelas aprendizagens.

Em 2018 nasceu minha segunda filha, Maria Luiza, hoje com 03 anos. No mesmo ano fui aprovada no Concurso Público para Coordenação Pedagógica na Rede Estadual, desde 23 de janeiro de 2019 até o dia de hoje estou coordenadora no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Cotrim em Jequié.

Em 2020 o universo me reaproximou de Karla Carvalho numa belíssima campanha política para o Legislativo Municipal em Jequié com o projeto Cidade Leitora, Sustentável e Diversa. Nasceu no coração de “Karlinha”, nos trilhos das rodas de leitura no Barro Preto, na Rua da Linha, o Coletivo Mulheres da Linha.

Seguimos na travessia, mulheres de mãos dadas em redes de solidariedade política, empoderando-nos na coletividade.  Como diz Juliana Gonçalves “ É insurgente toda aquela que se revolta contra um poder estabelecido. E, quando se trata de mulheres pretas, toda insurgência é um ato revolucionário.” O que nos move como feministas, mulheristas ou ecofeministas: o sonho de um mundo mais justo, equânime e inclusivo para todas as pessoas. Por isso lutamos. #feminismoparaas99

O que desejo hoje como mãe, mulher negra, me aventurando pelos territórios sagrados da pesquisa, é traçar novos rumos no encontro com a diversidade de história de mulheres negras nas ciências, principalmente na minha universidade, minha UESB, minha casa. O desejo pela pesquisa com narrativas autobiográfica, memórias, história oral me arrebata desde que fui recebida em 2018 no grupo de Estudos e Pesquisas Impressões coordenado pela professora  Doutora Talamira Taita, e também lendo as obras do Doutor Eliseu Clementino.   

Minha prece! Que a matripotência sagrada acolha meu desejo.  

Fabiana Moura, mãe, mulher preta, pesquisadora, professora, sonhadora, desejante.

Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/8126947849354716

 


 


terça-feira, 22 de junho de 2021

Travessias de Gisele Gomes Andrade


 

Hoje o Travessias têm a honra de contar para o mundo a História de Vida e Formação de Gisele Gomes Andrade. Técnica de Segurança, Tecnóloga em Gestão Ambiental e Licenciada em Pedagogia. Especialista em Gestão de Pessoas, Gestão de Riscos; Concluinte da Especialização em Formação Docente e Práticas Pedagógicas pelo Instituto Federal Bahia. Esse  lugar de sincronicidade que por meio de Elane Nardotto me cerca de experiências transcendentais. Foi ela que me apresentou Gisele, esta Mulher Infinita como consagra a Poesia de Ryane Leão, “ Tudo Nela Brilha e Queima.”

Gisele estudou em escola de cunho religioso, um dos fatos marcantes na vida desta mulher multifacetada foi assumir com liberdade as suas escolhas,  e por vezes, era apontada na escola por subverter os padrões impostos. Disruptiva, uma Anésia Cauaçu da sua geração?

Uma garota da periferia, morou em áreas invadidas, engravidou aos dezesseis anos. Numa sociedade marcada pelo machismo, sexismo e desigualdade de gênero a maternidade aos 16 anos atrasou a conclusão do Ensino Médio, mais tarde a modalidade de conclusão CPA, Comissão Permanente de Avaliação permitiu que Gisele concluísse o ciclo de escolarização. A CPA, modalidade que flexibiliza  condições para que mulheres com história de vida como dela concluam os estudos e acessem outras oportunidades de formação.

Quando o Travessias questiona Gisele a respeito do interesse pela profissão docente, ela responde que sente-se vocacionada a compartilhar saberes. A medida que a práxis docente foi se desdobrando na sua atuação profissional, ainda como tecnóloga ela sentiu a necessidade de buscar novos caminhos e aperfeiçoar a profissão docente, ela então decidiu cursar Pedagogia.

“Ela relata: “ Com o passar dos anos fui buscando aprimorar   a forma de trocar experiências e descobri o meu lugar. Penso que já nascemos docentes e como passar do tempo nos descobrimos e podemos melhorar a forma de fazer. Existem pessoas com muitos títulos, mas, o fazer docente, não está lá.”

Esta fala nos rememora o que Paulo Freire denomina de vocação ontológica em compreender o fazer prático como instrumento de transformação da realidade.

“ A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são produtores desta realidade opressora e se esta na inversão da práxis, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens ( FREIRE 2019, p. 51)

Gisele destaca que “a discrepância social, pelo fato de nem todos gozarem das mesmas condições é revoltante, principalmente pelo fato perceber que muitas pessoas não têm acesso ao mínimo para sobreviver e ao mesmo tempo percorre o mesmo caminho ( de forma lenta, quase rastejando) diferente de quem têm as condições em níveis econômicos mais elevados.”

O Travessias perguntou sobre o prazer e a alegria no fazer docente, ela nos responde com leveza:

“ Pode parecer poético, mas o brilho no olho do educando não têm preço. Vejo sempre como incentivo para oferecer o melhor dentro das minhas possibilidades.” E define a profissão docente em uma palavra, Desafio.

Desafio este que se desenha no que Paulo Freire afirma em Pedagogia do Oprimido,

não há caminho senão da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária , em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo quase coisas, com eles estabelece uma relação dialógica permanente ( FREIRE, 209, p 77)

Este é o nosso desafio diário!

O Travessias agradece a Gisele por nos presentear com sua historicidade. Afinal, tudo é travessia.



Freire, Paulo, Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2019;

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Feminismo ou Feminismos?


 

Resenhando



O Livro Teoria Feminsta: Da Margem ao Centro de bell hooks, publicado pela primeira vez em 1984 nos convoca para um entendimento mais amplo do movimento feminista rompendo com os ditames de uma concepção meramente burguesa do feminino, da competição por espaços de poder econômico na mesma guisa de privilégios supremacista, branco e heteronormativo.

hooks nos desperta para a necessidade de agenda de mulheres negras engajando todas/todxs quanto considerarem relevante para a práxis revolucionária contra toda e qualquer forma de opressão e exclusão.

Esta agenda representativa e formativa nas comunidades, nas ruas, nos centros, sobretudo nas áreas periféricas é o lastro para a construção da solidariedade política essencial para o enfrentamento das estruturas socioeconômicas do necrosistema que tem como combustível o sexismo, o racismo, a homofobia, o patriarcado, machismo...  retroalimentando a bolha violenta de manutenção dos privilégios de classes da ordem vigente.

A autora ainda chama nossa atenção para as ciladas burguesas pseudoprogressistas que tendem a limitar a agenda do movimento feminista ao ingresso das mulheres brancas no mercado de trabalho, nos postos de mando, na luta por remuneração equiparada a dos homens na mesma lógica do “necrocpaital” e neste ensejo excluem homens e mulheres negras ao acesso a empregabilidade digna.

A proclamada liberdade sexual é fundamental para nutrir as relações humanas de modo a produzir partentalidades saudáveis, não abusivas, hierarquizadas de forma violenta e opressiva. Entretanto,  “ a guerra dos sexos” não é suficiente para produção do engajamento coletivo necessário para construção de pautas comuns.

É relevante que nós mulheres reivindiquemos a autonomia e liberdade sobre os nossos corpos, sobre o prazer que nos foi negado, negligenciado pelo patriarcado, porém, nos libertar sexualmente ainda não é suficiente e não representa as transformações que almejamos, precisamos avançar para enfrentar o sexismo e elaborar projetos em que homens, mulheres negrxs, pobres, perifericxs atuem engajados pelas pautas diversas, distintas, porém comuns.

A liberdade sexual só pode existir quando indivíduos não são mais oprimidos por uma sexualidade socialmente construída que têm por base definições biológicas determinadas da sexualidade: repressão, vergonha, dominação, conquista e exploração ( hooks, 2019,p. 218)

As normas sociais de exploração fundadas no patriarcado, no machismo, racismo, intolerância religiosa tornam-se molas propulsoras na reprodução da violência contra mulher, já que os padrões sexistas educam homens para colocar sua “virilidade” acima da dignidade humana e do respeito às diferenças e a diversidade.

A experiência feminista coletiva na agenda do feminismo negro propõe a formação dialógica das massas para construção de uma práxis libertadora. Precisamos nos reunir como povo para concentração nas pautas visando repactuar o interesse, apoio e participação de mulheres que desconhecem a legitimidade do feminismo negro no enfrentamento das estruturas opressoras de gênero, raça e classe.

Nossa ênfase precisa ser na transformação cultural de modo a promover horizontalidade nas relações desmitificando a parentalidade biológica. Recorrendo a amorosidade freireana para uma práxis libertária podemos congregar diversidade de corpos, concepções de mundo e expressões da nossa sexualidade no tecido de uma sociedade que não se imbrique com ideários heterosexistas, mas na compreensão mútua fundamentando ação dialógica libertadora da “margem ao centro.”

A práxis existencial, a ação revolucionária, que está na centralidade do feminismo negro é pela libertação de todas/todos/todes. É pela construção de novas estruturas situadas no contraponto do necrosistema, do “necrocapital”.

Em suma, pelo que lutamos? Por uma sociedade organicamente “ecofeminista”, em acolhimento a diversidade, sustentável, com justiça social, distributiva e por fim aguerrida na luta pela erradicação das múltiplas violências de gênero, raça e classe.

 

hooks, bell.Teoria Feminista: Da margem ao centro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2019

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Projeto Travessias: Entrevista com Ivanildes Moura



Travessia: Quem é você?

Ivanildes Moura dos Santos, mulher preta, professora, escritora , vencedora do premio Zélia Saldanha 2005. Nascida em Jequié, interior da Bahia, filha de Terezinha Moura dos Santos e Antonio Marques dos Santos, ambos falecidos. Estudei em escola pública e fiz  conclusão do magistério em 1987.

Travessia: Qual é sua área de formação, atuação profissional e experiências?

Minha formação em Pedagogia - Uesb / segunda licenciatura em Artes Visuais- Uniasselvi. Pós-graduada em Literatura e Ensino de Literatura/ Especialização  em Antropologia das Culturas afro-brasileiras ambas  pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, atuei na mesma Universidade como pesquisadora do Órgão de Pesquisa em Educação e Relações Étnicas com ênfase em Cultura Afro-brasileira (ODEERE), certificado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

 Em 2006 atuei como Coordenadora do Núcleo  de Educação para a Diversidade Cultural e Étnico e Gênero,  para a implementação da lei 10/.639/2003 na Secretaria Municipal de Educação de Jequié - Bahia.  Por duas vezes como Coordenadora Pedagógica  numa das escolas do município Ensino Fundamental, anos iniciais. Sempre fui apaixonada por teatro, iniciei meu trabalho numa creche  com teatro infantil onde fiz varias adaptações de peças para as crianças. Atualmente trabalho como professora na área de artes visuais e cultura afro brasileira, onde dou seguimento com teatro com as turmas do Ensino fundamental II

 

 Travessia : Como foi a sua infância e o processo de escolarização, gostaria de nos contar fatos marcantes sobre sua infância e sua vida escolar?

Entrei na escolinha aos sete anos de idade; minha primeira professora se chamava Clemilda. A escola era de pequeno porte e estava localizada na mesma rua em que morava. Não era registrada. Nessa época era costume  reunir as crianças em um espaço qualquer, de preferência residencial, para alfabetizar. 

Costumávamos brincar no terreiro da escolinha e tomava lição do ABC, tabuada antes e depois do recreio. A professora era agradável quando queria, mas, não permitia muita bagunça; qualquer “trabalho” que eu desse durante as aulas, ela contava imediatamente para minha mãe que logo providenciava a correção, ainda que eu não fosse uma criança muito conversadeira na escola.

Porém, algo me marcou muito naquela escolinha, não foram às brincadeiras lamentavelmente, nem as histórias ou as lições, mas, a atitude da professora Clemilda que costumava cortar as unhas das crianças quando achava necessário. Certa vez eu fui para a escola com as unhas sujas de terra, provavelmente de tanto brincar no terreiro de casa, na circunstância a professora olhou para as minhas mãos, pegou uma tesoura e decepou minhas unhas até sangrar.

Cheguei em casa chorando, minha mãe não me perguntou nada, só fez pegar minhas mãos, colocou mertiolate e em seguida se dirigiu até a casa da professora que era no final da rua em que eu morava, local onde funcionava também a escolinha. Não sei o que elas conversaram, só sei que minha mãe voltou para casa com uma “cara de missão cumprida” e no outro dia quando cheguei à escola, a professora pegou minhas mãos manchadas de mertiolate, olhou com expressão de arrependimento, depois não se tocou mais no assunto. Diante disso voltei, sem medo, a me divertir na escolinha da professora Clemilda.

No Ensino Fundamental, antigo primário, entrei numa escola “grande” pela manhã. Usava uma saia azul marinho toda pinçada, uma blusa branca com um escudo estampado no bolso, meias brancas e sapato colegial. Meus cabelos sempre bem penteados, partido ao meio com duas trancas e laço de fita. Era meu primeiro dia de aula, enfim minha 1ª serie. O nome do enorme colégio era “Grupo Escolar Jornalista Fernando Barreto”. Não lembro do nome da segunda professora, mas, recordo que era meiga e atenciosa.

Recordo também da cartilha toda ilustrada. O “A” de avião, o “B” de bola e a cada letra o desenho representado. Não era complicado frequentar a escola pois não era longe, ficava na mesma rua em que morava, a única coisa que me irritava era voltar despenteada para casa todos os dias, não porque minha mãe não caprichava no penteado, é que os colegas insistiam em desmanchar meu cabelo sempre com chacota me chamando de nega do cabelo duro. Sem contar as festas da primavera que nunca fui rainha, tão pouco princesa, não sabiam que tais atitudes poderiam ferir, machucar, bagunçar a cabeça de uma criança, inferiorizá-la, o fato era que a escola estava começando a ficar feia para mim, as faces macabras do racsimo naturalizado.

 Na segunda série voltei um pouco esperançosa, tinha nove anos, acreditava que não teriam mais meninos tão perturbados e que me deixariam em paz, não foi bem assim, eu estava maior e minhas tranças também.

A professora da classe passou despercebida para mim, ela não foi tão importante na minha caminhada, mas lembro de um estagiário negro que era muito carinhoso e bastante atencioso, entretanto, os meninos não ajudavam. Eu acreditava que era pelo fato dele não ser o professor oficial da turma. Um fato me chamou a atenção e me deixou bastante triste, o estagiário, que não me lembro o nome, no dia do encerramento, entrou na sala triste e explicando que não teríamos a festa porque sua sogra tinha falecido e sua esposa não estava em condições emocionais para fazer o bolo. Mesmo assim, carinhosamente ele trouxe umas balinhas de jenipapo no saquinho e um bolo de assadeira sem confeito. Alguns alunos atiraram as balinhas no professor dizendo que era cocô de cabra. O professor precisou da ajuda da professora para conter os colegas e foi embora decepcionado. A escola estava ficando mais feia ainda, não sabia como lidar com ela, fiquei cada vez mais calada.

Na terceira serie, minha professora era alta, loira, falava alto e fazia questão de chamar um a um para tomar a lição em sua carteira. Algumas coisas ficaram guardadas nas minhas lembranças, primeiro o nome da professora, Maísa, segundo o texto “O barquinho amarelo”, lição que me levou a aprender a ler, e uma caixa de chocolate que ganhei de presente por ser a aluna mais calada da turma. Claro, sem esquecer da terrível insistência dos meus colegas de me chamar cabelo duro.

Cheguei “quase intacta” na 4ª serie, era 1976, tinha dez anos, estudei com a temível professora Mirian Coqueiro, para o meu desespero eu não era muito boa em matemática, as sabatinas me matavam, detestava aquela professora carrasca. Porém, foi à única que me deu a chance de dançar quadrilha junina, a parte triste foi que meu parceiro, determinado por ela, não compareceu na festa para não dançar com a neguinha. Foi ai que entendi que era diferente por ser negra e que a minha cor incomodava a ponto de ser muito difícil continuar estudar.

Travessia: Quando ou quais eventos os/as impulsionaram a escolha pela profissão docente?

Quando eu era criança ser professora era o maior orgulho de toda a família. Para a minha família não era diferente, eu percebi que além de ser uma profissão que eu admirava  também seria um grande orgulho, para mim e para meus pais. Então segui os passos a minha irmã mais velha e fiz magistério.

Travessia: Em sua concepção qual/quais são os maiores desafio para a profissão docente no atual contexto?

Vivemos num contexto atípico, porem sempre acreditei que ser professor é conviver com mudanças e aprendizados, nesse contexto cabe a nós se reinventar.

Travessia: Como você avalia a atuação do poder público, dos Conselhos Municipais, Sindicatos e sociedade civil com relação à educação pública neste contexto de pandemia?

Embora o contexto exija que se tenha cautela por conta da atual situação, acredito que seja cedo para uma avaliação mais contundente. Ainda assim, esperamos que se tenha uma maior agilidade principalmente para adequação dos espaços físicos das escolas para receber corpo docentes, discentes e trabalhadores colaboradores da educação com condições seguras. Quanto aos conselhos, sindicatos  esperamos uma atuação mais intensificada. No que diz respeito a sociedade civil seria importante melhor formação e  maior participação para o entendimento e buscas pelos direitos civis.

Travessia: Que avaliação você faz sobre o “Ensino Remoto Emergencial”, suas potencialidades e limites para a realidade brasileira?

Sabemos que o ensino a distancia sempre foi uma realidade positiva para o ensino brasileiro, entretanto não podemos negar que o ensino remoto nesse contexto, com proposito de diminuir o impacto do isolamento social,  apega-se na verdade  a improvisação. A pressa exigiu reprodução de material que nem sempre sai como o esperado uma vez que nem sempre o professor domina as tecnologias necessárias e nem sempre têm formação, recursos e habilidades para produzir material de estudos e  entretenimento virtual,  seria necessário um maior planejamento e investimento para essa modalidade. Outro prejuízo está no fato que nem todos os professores e estudantes têm acesso a internet e as tecnologias necessárias.

Travessia: Conte-nos uma experiência ou fato que você considerou mais marcante em sua jornada profissional:

Estava ainda na graduação, era o ano de 2005, quando surgiu o premio literário Zélia Saldanha, oferecido pela UESB, campus de Vitória da Conquista. Eu tinha escrito uma história que falava de uma princesinha negra que nasceu em Aruanda, cujo nome era Azire. A história trazia em seu contexto toda uma simbologia africana. Esse trabalho fazia parte da minha pesquisa de graduação. Fui incentivada por um grande amigo e professor Marcos Aurelio de Souza a inscrever o trabalho. Assim o fiz. Para minha surpresa a historia “Azire: a Princesinha de Aruanda” foi à grande vencedora do premio na categoria infanto juvenil.

Travessia: Na possibilidade de definir a docência em uma palavra, qual seria o termo?

Compromisso e comprometimento

Travessia: Como você avaliou esta experiência reflexiva de escrita de si e narrativa de aspectos de sua vida, formação e práxis profissional?

Sempre fui uma pessoa muito reservada, falar um pouco sobre minha trajetória através da escrita me transporta a uma viagem pelo tempo. São experiências estranhas quando me remoto a minha infância no período da escolarização, uma sensação de perda, algo que ficou inacabado dentro do meu ser, no entanto, ainda que sejam experiências traumáticas foram situações que de certo modo a “troncos e barrancos” me levaram  a reagir buscando cada vez mais meus direitos e como professora lutando para modificar a historia atual. Como dia a grande poetiza Elisa Lucinda. ”Sei que  não dá pra mudar o começo mais se agente quiser, vai dar pra  mudar o final”.

 

Agradecemos a Professora, Escritora, Mulher Preta, Ivanildes Moura, por nos permitir aprender tanto com sua história de vida e formação!

 

sábado, 2 de janeiro de 2021

Travessias e Agendas Antirracistas


 Racismos no Brasil: Costuras Reflexivas

 

O presente texto é fruto das lives realizadas no ano de 2020 relacionadas com a questão do racismo no Brasil. Diálogos tecidos com mulheres:  a pesquisadora e Assistente Social Marília do Amparo Alves sobre o Racismo e os caminhos de enfrentamentos, encontro amoroso e potente com a pesquisadora Maicelma Maia sobre Infâncias Negras, uma conversa de irmãs com Ivanildes Moura sobre Literatura Infantil Afrobrasileira e por fim, a participação no programa Trilha de Saberes com a Psicanalista Ieda Sampaio cuja temática foi “ Consciência Negra.”

Não sou uma pesquisadora com aprofundamentos teóricos sobre a temática, venho me lançando em leituras que me atravessam no contexto e  convocam para agendas existenciais de enfrentamento e diálogos. São contínuas leituras de obras de autores/autor@s como: Abdias Nascimento, Bell Hooks, Sílvio de Almeida,  Djamila Ribeiro, Chimamanda, Conceição Evaristo, Eduardo Bonilla-Silva, Sueli Carneiro, Maicelma Maia, entre outras/os/es. Autorizo-me experimentar esta escrita “ de dentro da minha pele”.

Os fios que tecem nossas memórias e histórias de infâncias negras no Brasil são linhas de resistência. Infâncias costuradas pelos racismos, em suas múltiplas nuances, requintes de dor. Certamente é por isso que o conceito de "dororidade" nos compreende tanto. Uma menina negra, filha de mãe preta retinta e pai branco, de família branca, ou seja, o cenário assimétrico inaceitável para as estruturas coloniais que atravessam este país e reproduz sempre os arquétipos que transitam entre "Casa grande e Senzala". São marcadores do inconsciente coletivo da sociedade brasileira, “do crente ao ateu.” As infâncias negras costuradas pelo racismo estrutural constituem o tecido da minha própria existência.

O sentimento de vergonha e desprezo que era verbalizado pela minha família paterna em virtude da cor da nossa pele, por mais doloroso que seja, é o racismo sutil  o que mais me incomoda. 

Escrever este texto em pleno século XXI, exatamente em 28 de dezembro de 2020 não é por acaso. Após um final de semana marcado por diálogos desgostosos e desgastantes com  “neopetencostais” puramente narcisistas, cutucou de alguma maneira a criança um dia ferida e marcada pelas cicatrizes do racismo e provocou-me a escrever. Aprendi com uma amiga que a escrita é um processo de autocura, mas, também uma ação revolucionária. 

No momento que tomo consciência da minha existência como mulher negra, sobre ser e estar no mundo, autopertença, caminhar de si e para si, anunciando minha própria liberdade , erguendo a voz para enfrentar os olhares e o desprezo, vivo e anuncio meu renascimento, meu grito. É visível que dentro da lógica inter-racial  de forma cônscia ou inconscientemente a "branquitude" é historicamente privilegiada, mas quase nunca  estão efetivamente dispostos a questionar estes modelos e estruturas.

Nas disputas de espaços, de ocupação, de condição de vida e existência o corpo negro sofre as penas do racismo escamoteado pela famigerada narrativa pseudocristã, somos todos irmãos, filhos do mesmo pai, somos humanos, o que basta é ter consciência humana, puro engodo.

O discurso da igualdade entre os “homens” escamoteia a realidade e perpetua as faces do racismo. É na verdade um dos remendos institucionais que descaracteriza os horrores e violências que sofremos de dentro da nossa realidade cotidiana. Os corpos cravejados de balas e encarcerados neste país nos dizem muito sobre os nossos enfrentamentos.  

As infâncias não-brancas são feridas diuturnamente. O fetiche, os abusos, os apelidos pejorativos, os comentários sobre a textura do cabelo, assinalam as assimetrias que costuram os estágios de desenvolvimento de uma criança negra. Sou forjada neste cenário de inaceitação. Uma história tricotada com pontos de pobreza, dor, exclusão e ao mesmo tempo, alegre, resiliente pela correlação de forças, afetos e acolhimento.

A Doutora Maria Eurico, pesquisadora sobre racismo institucional na infância ressalta os impactos do pensamento conservador sobre as crianças brasileiras, na sua condição de gênero, classe que traduz-se em tratamentos desumanos, excludentes, degradantes sobre a vida das crianças e toda esta rigidez moralista desdobra-se em diversas formas de violência que perpassam o cotidiano das famílias.

As minhas travessias existenciais e profissionais como estudante,  professora, pedagoga e psicopedagoga, autorizam-me afirmar que o racismo "individual, estrutural, institucional", atinge visceralmente as infâncias negras. Favorecem as engrenagens neoliberais reprodutoras da segregação e mantenedoras das estruturas que corroboram com uso da “ carne negra” como mero objeto, “a mais barata do mercado” ferramenta de trabalho, incivilizados, coisificados. Neste contexto, como pontua Ailton Krenak, deixamos de ter governos na liderança dos Estados, o comando está nas mãos das grandes corporações. Os empresários e o sistema bancário decidem a vida.

O racismo, enquanto uma das facetas da sociedade moderna, é único, pois ainda estrutura-se por um denominador comum: a exploração de um grupo sobre o outro, a partir de critérios étnico-raciais. Além disso, projeta-se na vida pública, na família, nas instituições, nas ciências, enfim, em todas as esferas das relações humanas (EURICO,2020).

Eurico destaca que é extremamente potente e necessário problematizar a realidade do racismo estrutural como um dos caminhos possíveis, reais e relevantes para transformação da sociedade. A relação raça, classe, gênero toma como base de sustentação o tripé exclusão, precarização e exploração, é o que de fato compõe a moderna divisão social do trabalho. São estes os ingredientes funcionais da engrenagem neoliberal que visa o enriquecimento de uma determinada classe, neste sistema, os corpos não brancos não se enquadram, são meras peças da grande máquina.

Reconfigurar este sistema exige movimentos de mudança nos modos de produzir, nas concepções de necessidades e consumo, redistribuição de riquezas de forma equânime. Este upgrade exige um novo modo de caminhar.

A superação das estruturas racistas, do arquétipo do sujeito universal, do homem branco, rico e bem sucedido, é imperativo. Esta ruptura de obstáculos e problematização dos estigmas implicam em novas formas de construir a educação, escolarização, os currículos, a universidade, a pesquisa, a política, a economia e a gestão pública.

E por fim, “se o racismo se reatualiza, as formas de combate também precisam ser reinventadas.” A escola, as instituições, a política, a sociedade civil não podem se omitir deste debate, sob pena de serem destituídos da legitimidade da organização civil do Estado Democrático de Direito  como espaço de formação e construção da existência humana respeitando biomiméticamente sua natureza diversa e plural. 

Afinal, na lógica do necropoder, “vidas negras” de fato importam? O que nos dizem as estatísticas? O que o Estado Brasileiro, a gestão pública, as instituições têm feito para equacionar a dívida histórica e reconfigurar esta realidade?     

  

EURICO, Maria Campos. Tecendo Tramas a cerca de uma infância sem racismo. Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ. Rio de Janeiro ( 1º sem 2020- n.45.v19,p. 69-83)

 

Fabiana Correia Moura, Mulher Negra, feminista, Pedagoga, Mestra em Educação Científica e Formação de Professores, Especialista em Direitos Humanos (UESB), Coordenadora Pedagógica no Colégio da Polícia Militar Professor Poeta Luís Neves Cotrim


 

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